Título: Damasco sob fogo
Autor: Valente, Gabriela Freire
Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2013, Mundo, p. 14

Rebeldes disparam morteiros contra o centro da capital, a pouca distância da residência do ditador. ONU retira metade do pessoal

A Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou a retirada de metade de seus 100 funcionários da Síria, após mais um dia de violência. A capital, Damasco, que abriga o gabinete do emissário da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi, foi atingida por morteiros que deixaram pelo menos dois mortos e dezenas de feridos, no centro da cidade — a poucos quilômetros da residência do presidente Bashar Al-Assad, uma área de alta segurança. Segundo testemunhas, as forças do regime responderam aos disparos, cuja origem teriam sido posições rebeldes no Monte Qasioun, ao norte da cidade. “Ouvi dezenas de tanques lançando baterias de projéteis contra eles”, contou um morador à agência de notícias Reuters.

Os insurgentes teriam ocupado o bairro de Kfar Souseh, no entorno do centro de Damasco, e vêm lançando morteiros contra alvos importantes desde o último fim de semana. No domingo, 10 pessoas ficaram feridas nas proximidades do Ministério do Ensino Superior. Devido à proximidade dos conflitos ao escritório da ONU, a organização considera transferir sua base para o Egito ou para o Líbano, mas deve manter as atividades humanitárias no país, segundo diplomatas.

A despeito do aumento da violência na capital síria, Márcio Scalércio, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e autor do livro Oriente Médio, salienta que é difícil avaliar a real situação na região. “Como não há jornalistas trabalhando livremente na Síria, não sabemos exatamente qual foi a magnitude do ataque”, disse ele. “Já houve outros ataques a Damasco, mas o governo manteve o controle. Parece que ainda não temos a batalha por Damasco”, avaliou o especialista.

De acordo com o Exército jordaniano, rebeldes sírios fecharam os dois únicos postos na fronteira entre os dois países, após dois dias de combates com tropas do regime. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) havia indicado, no domingo, que os rebeldes assumiram o controle de uma faixa de 25km entre a cidade de Muzayrib, na fronteira com a Jordânia, e a localidade de Aabdyne, perto da linha de cessar-fogo com Israel nas Colinas de Golã. O OSDH informou que um avião civil foi atingido por disparos de baterias antiaéreas quando sobrevoava a região de Idlib, no noroeste. Dois aviões civis já foram abatidos pelos rebeldes, sob suspeita de transportar equipamento militar para o Exército.

O coronel Riad Al-Asaad, comandante do Exército Sírio Livre (ESL, principal força militar da rebelião), perdeu uma perna na explosão de uma bomba na cidade de Mayadin, no leste do país. O oficial dissidente estava em seu carro quando a detonação aconteceu. Asaad foi levado a um hospital na Turquia e há a suspeita de que o artefato estivesse acoplado ao veículo. Louay Almokdad, porta-voz do ESL, afirmou à rede de TV Al Arabyia que o regime de Bashar Al-Assad está por trás do atentado. “Não importa quem eles (as forças sírias) matem e não importa o que eles destruam, a revolta contra o regime continuará”, declarou Almokdad.

Ajuda secreta

A Agência Central de Inteligência (CIA) americana estaria apoiando a ajuda militar aos opositores de Assad, segundo reportagem do jornal The New York Times. A publicação afirma que países árabes e a Turquia aumentaram o repasse de armas aos rebeldes e que a CIA estaria agindo como facilitadora na compra de armas. “Uma estimativa conservadora seria de 3.500 toneladas de equipamento bélico”, informou Hugh Griffiths, do Instituto Internacional de Estudos para a Paz, de Estocolmo. Para Márcio Scalércio, da PUC-RJ, a intervenção indireta dos EUA está ligada ao relacionamento pouco amistoso entre os governos sírio e americano. “O regime dos Assad (pai e filho) é um velho inimigo de Washington, e essa é uma maneira de se livrar dele. A situação de conflito interessa aos EUA para que haja uma troca de poder na Síria”, observou Scalércio.