Título: Portas fechadas, críticas abertas
Autor: Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 05/04/2013, Política, p. 2

Colegas de Marco Feliciano condenam a decisão de restringir a presença de público nas sessões da Comissão de Direitos Humanos

A decisão tomada por Marco Feliciano (PSC-SP) de proibir a entrada de manifestantes nas sessões da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) repercutiu na Câmara dos Deputados. Colegas dos mais variados partidos, incluindo o antecessor no comando da CDHM, integrantes da Mesa Diretora e o próprio presidente da Câmara, classificaram de arbitrária a opção por vetar a presença de público na Casa dos políticos eleitos justamente para representar a população. Apesar de boa parte dos deputados ser contrária à medida, houve quem defendesse a atitude do parlamentar e pastor evangélico, que se amparou em um artigo do Regimento Interno da Casa, que permite aos presidentes de comissões promover a ordem no colegiado quando necessário.

Durante a reunião de quinta-feira, Feliciano afirmou que apresentava um requerimento à comissão para tornar as futuras sessões restritas a deputados, assessores técnicos e jornalistas. Os integrantes presentes concordaram, e assim ficou definido. O presidente da CDHM, porém, não formalizou a decisão nem apresentou qualquer ofício à Secretaria-Geral da Casa. “Ele apenas requisitou segurança para sua sessão, não há qualquer deliberação da Mesa Diretora sobre o assunto, pelo contrário, entendemos que as reuniões devem ser livres, abertas, principalmente nas comissões temáticas”, afirmou o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR).

Em Natal, onde se recupera de uma cirurgia de hérnia abdominal, o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), manifestou descontentamento com a decisão de Feliciano. Pouco depois, o deputado potiguar recebeu um telefonema do titular da CDHM. O pastor comunicou que não vai mais viajar à Bolívia na próxima terça-feira, quando outra comitiva parlamentar visitará o município de Oruro para tratar do caso de 12 torcedores do Corinthians detidos há 44 dias pela morte de um adolescente boliviano durante uma partida de futebol. No mesmo dia, está marcada uma reunião de líderes na Câmara para discutir a situação de Feliciano.

Pressão Enquanto isso, as pressões internas crescem contra o deputado do PSC. “Trata-se de um desatino completo delimitar quem vai ou não participar de uma comissão de modo antidemocrático, o que é agravado por ser a de Direitos Humanos, que existe justamente para não haver esse tipo de segregação”, argumentou o deputado Nilmário Miranda (PT-MG), ex-presidente da CDHM. “O deputado não vota só para ele, é um representante, e o mínimo que se espera é que seus atos possam ser acompanhados pelos representados”, completou José Antônio Reguffe (PDT-DF). A Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, criada por deputados contrários a Feliciano, enviou reclamação formal à Mesa Diretora sobre a decisão do pastor. O requerimento deve ser protocolado até o início da semana que vem.

Além de determinar o fechamento das sessões, Feliciano pediu ao comando da Câmara que investigue se há funcionários de deputados participando das manifestações contra ele. Nas últimas reuniões da CDHM, seguranças da Casa filmaram os ativistas. A deputada Erika Kokay (PT-DF) reclamou da acusação. “É uma tentativa de responsabilizar parlamentares pelos protestos que esta Casa tem abrigado, em uma lógica de quem acha que o povo só se movimenta quando é comandado, que não acredita na sua autonomia”, criticou.

O ativista Toni Reis, secretário da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), reforçou as críticas. “A comissão (de direitos humanos) era a que mais tinha ligação com a sociedade civil. Não é mais. Feliciano é o homem errado no lugar errado”, declarou. Ontem, houve novo ato: 42 adolescentes que participaram de uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado aproveitaram a visita ao Congresso para se manifestar contra Feliciano.

Colaborou Gabriella Furquim

Repercussão

Confira a opinião de quatro parlamentares sobre a decisão de Feliciano de impedir a presença de manifestantes nas sessões da CDHM:

“É evidente que o regimento contempla a possibilidade de, para se estabelecer o bom trabalho daquele evento, que se retire até algum manifestante que tenha extrapolado na sua sagrada liberdade de expressão. Agora, a gente não pode começar a fazer uma legislação absolutamente extemporânea e casuística. Essa decisão não pode ser para uma sessão futura, avaliando que participantes vão tumultuar ou impedir o bom andamento dela. É uma decisão rigorosamente antirregimental, arbitrária e antidemocrática”

Chico Alencar, deputado do PSol-RJ

“Foi exatamente com base nos termos do regimento, para garantir a funcionalidade da comissão, que o presidente agiu. No plenário da Casa, quando essas galerias estão tomadas, bastam apenas palmas para o presidente da sessão pedir que os visitantes se contenham, sob pena de serem retirados. Agora, o que está ocorrendo na Comissão de Direitos Humanos e Minorias não é manifestação, é anarquia, é baderna, é ofensa ao presidente. Democracia não se compatibiliza com baderna, mas com obediência a normas e regras, inclusive de educação e de boas maneiras”

João Campos, deputado do PSDB-GO, presidente da Frente Parlamentar Evangélica

“Essa decisão foge à transparência que o parlamento exige, tem um efeito desastroso na Casa de leis, onde a publicidade dos atos é a regra. O presidente da Câmara deve impedir que isso ocorra. Como se não bastasse a existência do voto secreto, não faz sentido querer esse isolamento, impedindo as pessoas de acompanharem o processo legislativo”

Carlos Sampaio (SP), líder do PSDB

“Numa comissão, os deputados falam e os outros são ouvintes, não tem que ter aplauso ou crítica. Lá fora, fazem o que quiserem. Nesse caso, a manifestação estava sendo muito ofensiva e podia chegar às vias de fato. Em outros parlamentos do mundo, isso não acontece, não se entra sem identificação. Isso de que é a Casa do povo é conversa mole — o povo lá e eu aqui. É competência do presidente da comissão manter a ordem, e ele tem que dirigir aquele perímetro da melhor forma”

Nelson Marquezelli, deputado do PTB-SP

O que diz a lei

Confira algumas determinações do Regimento Interno da Câmara sobre o funcionamento das comissões:

» Ao presidente da comissão cabe presidir todas as reuniões do colegiado e nelas manter a ordem e a solenidade necessárias.

» As sessões são públicas, salvo deliberação em contrário.

» Serão reservadas as reuniões em que haja matéria que deva ser debatida com a presença apenas dos funcionários em serviço na comissão e técnicos ou autoridades convidadas — a decisão deve ser tomada pela maioria dos integrantes.

» Serão secretas quando tiverem de deliberar sobre declaração de guerra, acordo sobre a paz, passagem de forças estrangeiras pelo território nacional ou sua permanência no país.

» As comissões permanentes poderão estabelecer regras e condições específicas para a organização e o bom andamento dos seus trabalhos, observadas as normas fixadas no regimento.

Nas redes sociais

A capa da edição de ontem do Correio, com a manchete O amor nos tempos de Feliciano, teve grande repercussão nas redes sociais. Até as 21h de quinta-feira, pouco mais de 2,5 mil internautas tinham compartilhado a primeira página do jornal e cerca de 1 mil haviam curtido a publicação.