Correio braziliense, n. 20974, 26/10/2020. Política, p. 2

 

Roupa suja se lava no Twitter

Denise Rothenburg

26/10/2020

 

 

A aproximação entre Jair e o Centrão não tirou as redes sociais de cena, nem tampouco restringiu decisões estratégicas aos gabinetes. As últimas semanas foram pródigas em mostrar esse movimento e as apostas são as de que quanto mais próximo do período eleitoral, mais o presidente se renderá ao que desejam seus ferrenhos apoiadores nas redes.

Em duas semanas, dois gestos marcaram essa influência do Twitter no governo. O primeiro, com direito a descompostura pública do presidente da República a um ministro de Estado, no caso Eduardo Pazuello, foi o passo atrás no protocolo para compra da vacina para prevenção da covid-19 produzida pelo Sinovac Biotech, laboratório com sede na China. não só respondeu que esse imunizante não seria comprado, como acusou o general de "querer aparecer".

Vinte e quatro horas depois, foi a vez do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, protagonizar uma briga com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, a quem chamou de "Maria Fofoca". O que começou no Twitter, entretanto, só terminou depois de uma conversa privada, na tarde de ontem, em que colocaram suas diferenças de lado.

O cerne da questão, porém não foi resolvido. Vários ministros consideram que Ramos age mais em atendimento a deputados e senadores, em especial os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o do Senado, Davi (DEM-AP), do que em defesa do que os ministros consideram melhor para conduzirem suas pastas. Isso serve tanto para cargos quanto para verbas.

Há quem diga que sempre que há uma queda de braço entre ministros e partidos por nomeações no governo, Ramos fica com os partidos. Esses mesmos integrantes do primeiro escalão apontam a atitude de Ramos, em relação a deputados e senadores, como o motivo para levar tanto quanto Maia ao Twitter a manifestarem-se com mensagens em apoio ao ministro da Secretaria de Governo.

Pendências
Entre os aliados de , há a certeza de que, enquanto ele estiver atento ao sentimento de seus apoiadores mais ferrenhos nas redes sociais, mais se distanciará da resolução dos problemas do país. O Renda Cidadã, por exemplo, exigirá corte de despesas em algumas áreas para sair do papel, ou, no mínimo, a reformulação e até a extinção de alguns programas sociais para fazer frente ao pagamento de R$ 300 por pessoa beneficiada. Até aqui, não houve consenso no governo sobre o melhor caminho a seguir, nem tampouco entre os congressistas. Seguindo a máxima de quem tem tempo não tem pressa, o governo entra em procrastinação para ver se consegue chegar a um texto palatável depois da eleição.

Outro assunto pendente –– que, quanto mais longe da redoma bolsonarista nas redes sociais, melhor –– é a disputa de poder dentro do Congresso. Até aqui, tenta se equilibrar entre seus apoios no Parlamento e os seguidores nas redes. Entre os aliados do presidente, há o receio de que comecem a surgir cobranças nos canais diretos por apoio a algum nome para presidente da Câmara, ou restrições a alguns candidatos. Nesse caso, a prudência recomenda ao presidente fazer "cara de paisagem", ou seja, não atender aos clamores de apoio a um candidato ou de restrições a qualquer nome. Esse tema, alertam alguns, já é considerado um vespeiro sem a pressão das redes. Se tomar algum caminho, em função de seus apoiadores, como fez no caso da vacina, ninguém conseguirá acalmar o vespeiro.