Título: Barbosa apoia livre manifestação
Autor: Almeida, Amanda; Abreu, Diego; Medeiros, Étore
Fonte: Correio Braziliense, 06/04/2013, Política, p. 2

No dia em que seu presidente, Joaquim Barbosa, defendeu o direito de protesto contra o deputado e pastor Marco Feliciano (PSC-SP), o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o acesso da imprensa e do público para acompanhar o depoimento que o parlamentar prestou ao STF. O interrogatório, que faz parte de uma ação penal por estelionato a que Feliciano responde, estava marcado para as 14h30, mas começou cerca de uma hora antes, evitando o assédio ao deputado evangélico. Embora o processo não seja sigiloso, o depoimento foi a portas fechadas. O motivo, segundo o ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso, é o fato de a sala de audiência ser pequena, além da necessidade de preservação da tranquilidade do depoente.

Tanto a defesa de Feliciano, que preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, quanto o gabinete de Lewandowski informaram que o depoimento foi antecipado porque o deputado chegou ao STF antes do horário, e o juiz instrutor já estava na sala de audiências. A mudança despistou jornalistas e manifestantes. O depoimento foi filmado, mas não houve divulgação do conteúdo. Lewandowski ainda não decidiu se vai ceder imagens para a imprensa.

Feliciano entrou e saiu pela garagem, e o depoimento só foi acompanhado pelas partes do processo e pela representante do Ministério Público. O deputado se defendeu da acusação de que teria firmado um contrato e recebido dinheiro para fazer um culto religioso ao qual não compareceu. O MP acusa o parlamentar de ter obtido uma vantagem indevida de R$ 13,3 mil, após induzir "a vítima a depositar a quantia supramencionada na conta bancária fornecida". [FOTO2] A defesa do deputado informa que ele disse no depoimento que não cometeu o crime, mas que houve apenas um "desacordo comercial". "O contrato estabelecia que o depósito deveria ser feito até 5 de março de 2008, 10 dias antes do evento, mas o pagamento só foi efetuado no dia 13. O valor transferido foi de R$ 8 mil, mas não representava um cachê pela participação, mas uma oferta ao ministério do pastor", alegou a advogada de Feliciano, Fabiana Pires Carlos.

De acordo com ela, Feliciano informou que devolveria o dinheiro, mas os organizadores do evento em São Gabriel (RS) pediram para que o pastor fizesse outro culto, em Quaraí (RS). Fabiana diz que esse evento também foi cancelado e, poucos dias depois, chegaram intimações judiciais para que o deputado explicasse o recebimento do dinheiro, sem ter cumprido o contrato.

O pastor também é alvo de manifestações por declarações supostamente racistas e homofóbicas há um mês (veja linha do tempo). Já há duas representações contra ele protocoladas na Mesa Diretora da Câmara. A primeira pede que o deputado responda por quebra de decoro, por ter dito que a Comissão de Direitos Humanos era "dominada por Satanás" antes do seu comando. A segunda cobra que sejam investigadas denúncias, baseadas em reportagem do Correio, sobre irregularidades na atividade parlamentar. Na terça-feira, ele promete participar da reunião com líderes partidários que discutirá a própria situação. Ele, no entanto, rejeita a possibilidade de deixar a presidência da CDHM.

Liberdade Ontem de manhã, ao participar de uma aula magna na Universidade de Brasília (UnB), Joaquim Barbosa evitou polemizar quando foi questionado por uma estudante de ciências sociais sobre o que achava do fato de Feliciano presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Bem-humorado, o ministro chegou a dizer que a pergunta o deixou em uma saia justa, mas saiu em defesa da plena liberdade de manifestação.

"A minha resposta é a resposta de quem viveu anos e anos neste ambiente de liberdade. É simples, o deputado Marco Feliciano foi eleito pelos seus pares para assumir um determinado cargo dentro do Congresso Nacional. Agora, a sociedade tem todo direito de se exprimir contra a presença dele nesse cargo. Isso é democracia", afirmou, diante de aplausos da plateia de 3 mil alunos universitários.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, Marcos da Costa, divulgou ontem nota de repúdio contra o fechamento das sessões da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Para ele, a decisão do pastor Marco Feliciano, apoiada por outros integrantes do colegiado, "remete a tempos obscuros e arbitrários de nossa história política, em que os direitos humanos somente podiam ser discutidos a portas fechadas".

Na noite de quinta-feira, após participar de um culto em Salvador, Feliciano deixou a igreja escoltado por seguranças devido a um protesto. Ele cobriu o rosto com o paletó enquanto entrava no carro, e foi ajudado pelo deputado estadual evangélico pastor Isidório de Santana (PSB), que se declarou "ex-gay".

"A sociedade tem todo direito de se exprimir contra a presença dele (Marco Feliciano) nesse cargo. Isso é democracia" Joaquim Barbosa, presidente do STF

Outros temas Durante o evento na UnB, Barbosa também saiu em defesa do STF. Segundo ele, os ministros da Corte não estão preocupados com as críticas de que o órgão estaria "usurpando funções de outros Poderes". Ele alertou que o tribunal não vai "à cata de problemas" para julgar, mas atua somente quando acionado pela sociedade. O ministro ainda classificou de "péssima" a proposta que retira do MP o poder de investigação em matérias criminais. "Acho péssima. A sociedade brasileira não merece uma coisa dessas", criticou. A PEC foi aprovada na Câmara e, agora, tramita no Senado.

Cronologia de uma crise

28 de fevereiro O PSC anuncia a indicação do deputado e pastor Marco Feliciano (SP) para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Em 2011, o evangélico escreveu em uma rede social que o amor entre pessoas do mesmo sexo levava "ao ódio, ao crime e à rejeição" e que os descendentes de africanos seriam "amaldiçoados".

7 de março Marco Feliciano é eleito para a presidência da Comissão de Direitos Humanos. Ao todo, 12 deputados participaram da sessão e o pastor obteve 11 votos — o restante foi em branco. Seis parlamentares do PT, do PSol e do PSB abandonaram a sessão em protesto e não participaram da votação. O deputado Domingos Dutra (PT-MA), que até então presidia a comissão, renunciou ao cargo e abandonou a reunião.

9 de março O Correio publica reportagem mostrando que o pastor fez uso do mandato parlamentar em benefício de suas empresas. Ele usou dinheiro da Câmara para contratar funcionários que trabalham em seus negócios particulares. Na tarde daquele dia, protestos contra Feliciano ocorrem em todo o país, em cidades como Brasília, Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza.

13 de março Feliciano preside sua primeira sessão na Comissão de Direitos Humanos em meio a muitos protestos no Congresso. Centenas de militantes foram ao plenário da comissão. Parlamentares contrários a Feliciano mais uma vez abandonaram a reunião e alguns quase saíram no tapa.

20 de março Em sua segunda sessão na CDHM, Feliciano abandona a reunião depois de oito minutos. Mais uma vez, militantes gritam palavras de ordem contra o pastor e pedem a renúncia. Deputados criam a Frente Parlamentar dos Direitos Humanos, para atuar paralelamente. O presidente da Câmara pede ao PSC uma saída para o impasse. 26 de março A pressão pela saída de Feliciano não funciona e, depois de reunião da bancada do PSC, o vice-presidente do partido, Everaldo Pereira, anuncia a permanência dele na presidência da CDHM. Depois de classificar a situação de Feliciano como "insustentável", o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), diz que é preciso "respeitar" a decisão do PSC.

27 de março Feliciano manda prender manifestante que, durante audiência pública, o teria chamado de racista.

29 de março Durante culto em Passos (MG), Feliciano diz que a Comissão de Direitos Humanos, antes de ser presidida por ele, era "dominada por Satanás". 1º abril A vice-presidente da CDHM, Antônia Lúcia (PSC-AC), se ofende com a declaração, uma vez que faz parte do colegiado há três anos. Ela ameaça deixar o cargo e abre um racha no PSC.

2 de abril Antônia Lúcia desiste da renúncia. A deputada Iriny Lopes (PT-ES) apresenta à Mesa Diretora pedido de abertura de processo disciplinar contra Feliciano. O pastor resiste às pressões e diz que não há "possibilidade nenhuma" de sair da presidência da comissão.

3 de abril Feliciano decide fechar as reuniões da Comissão de Direitos Humanos. Apenas parlamentares, assessores e jornalistas poderão ter acesso às reuniões. Um grupo de deputados entrega representação contra Feliciano na Mesa Diretora, baseada em denúncia do Correio que aponta o uso do mandato em benefício de suas empresas e atividades da igreja.

4 de abril Henrique Eduardo Alves critica a decisão de fechar as sessões da CDHM. Em telefonema a Henrique, Feliciano confirmou presença em reunião de líderes da próxima terça-feira, em que sua situação será discutida.

5 de abril Feliciano presta depoimento ao STF, em relação à ação penal em que responde por estelionato.