Correio braziliense, n. 20976, 28/10/2020. Política, p. 3

 

Pressão sobre a PEC da 2ª instância

Wesley Oliveira 

28/10/2020

 

 

Em discussão desde 2019, a Proposta de Emenda à Constituição 199 — chamada de PEC da prisão em segunda instância — sofreu um novo revés na Câmara. De acordo com o relator da proposta, deputado Fábio Trad (PSD-MS), caso seja aprovada, a medida só valerá para novos processos, ou seja, não atingirá os anteriores à sua promulgação, como os da Lava-Jato.

Segundo Trad, o esvaziamento foi admitido para que a proposta conseguisse avançar na Câmara. Durante debate realizado ontem, na Casa, o relator afirmou que "esquerda radical" e "setores ligados ao governo" trabalham para barrar a tramitação da medida no Congresso. Para ele, esses grupos tentam inviabilizar seu relatório diante da opinião pública. "Estou diagnosticando, tanto do lado da esquerda radical, que não quer a aprovação da PEC — por conta de vários fatores que aqui não me compete detalhar — quanto alguns setores ligados ao governo, que também não querem a aprovação da PEC, estão se utilizando desse argumento da intertemporalidade para dizer que esse relatório é falho, é complacente com a criminalidade", criticou.

Autor da proposta, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) defendeu o relatório de Trad e reforçou que existe um movimento no Congresso para deixar a proposta no que ele chamou de "banho-maria". "Não está fácil. Precisamos apoiar o relatório do deputado Trad para que o tema seja constitucionalizado. Mesmo que discordem do ponto da temporalidade, esse foi o cálculo para que a medida fosse aprovada. Seja do governo, seja da esquerda, todo dia aparece um com argumento para deixar a PEC da segunda instância em 'banho-maria'", ressaltou.

Presente no debate, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro acusou o governo do presidente Jair Bolsonaro de abandonar, sem justificativas, o debate sobre a prisão após condenação em segunda instância. Para ele, é uma "hipocrisia" reprovar a matéria por causa da temporalidade. "Eu preferiria que a PEC fosse mais abrangente, mas, se esse é o custo para aprovar, eu acho razoável. É hipocrisia reprovar a proposta por causa da questão temporal", defendeu.

De acordo com o ex-ministro, o tema passou a ser ignorado pelo Executivo quando ele deixou a atual gestão. "Dentro do governo, eu era a única pessoa que falava da PEC. Desde que deixei o ministério, nunca mais se falou sobre. É lamentável que o governo tenha abandonado a execução em segunda instância", reprovou.

Manente disse que o governo foi acionado sobre o assunto. "É importante ressaltar que já cobramos do vice-presidente Hamilton Mourão, do presidente Jair Bolsonaro, que, de fato, eles se posicionem e colaborem. Essa pauta, inclusive, os conduziu para o processo vitorioso de 2018", enfatizou.

 

Próximos passos
A PEC da segunda instância já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), mas ainda precisa passar pela Comissão Especial antes de ser levada ao plenário. Existe a expectativa de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), coloque em pauta, hoje, a votação de uma resolução que permita a reabertura dos colegiados da Casa. As comissões estão paradas desde abril por causa da pandemia.

"Hoje (ontem), fiquei sabendo que o presidente Maia adiou para amanhã (hoje) a votação da resolução que autoriza a reabertura das comissões especiais. Espero que o adiamento não seja fruto de uma pressão política de setores que não querem a aprovação da PEC. Se for, espero que ele resista, pois a aprovação dessa matéria é fundamental para dar efetividade à Justiça brasileira", disse Trad.

Além de passar pela Comissão Especial, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos pelo plenário da Câmara. Recentemente, Maia garantiu que a proposta será colocada em votação antes do fim do seu mandato na presidência da Casa, o que ocorre em fevereiro de 2021. Após todo o trâmite, o projeto terá de passar pelo crivo do Senado.