Título: A visão de quem já esteve do outro lado
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 06/04/2013, Economia, p. 11
Há um grupo de patroas que não criará qualquer tipo de resistência para fazer valer a Lei das Domésticas, em vigor desde a última quarta-feira. São as mulheres que começaram a vida trabalhando em casas de família, ascenderam profissionalmente e hoje estão do outro lado da mesa de negociação. Na sua grande maioria, as ex-domésticas concordam integralmente com os direitos adquiridos pela categoria à qual já pertenceram. E, por isso, não estão muito preocupadas com as compensações prometidas pelo governo para amenizar o esperado aumento de custos com o serviço.
A ministra do Tribunal Superior do Trabalho Delaíde Miranda Arantes tem duas empregadas: uma na residência de Brasília e outra na de Goiânia. Ambas estão avisadas de que os benefícios listados na nova legislação serão automaticamente incluídos nos contratos, embora pontos essenciais, como a jornada semanal de 44 horas e o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), já viessem sendo adotados pela ministra, que é ex-doméstica. "Elas são tão importantes para mim quanto os meus assessores no tribunal. É por causa delas que posso trabalhar tranquila", comparou.
Quando deixou a zona rural para viver em Pontalina, no interior de Goiás, Delaíde encarou a labuta na casa de uma família, onde era responsável por cuidar de tudo. "Aquele tempo (quase um ano) me ajudou a compreender e a valorizar esses trabalhadores", disse. A foto dos ex-patrões, com quem mantém contato até hoje, ocupa lugar de destaque em uma das prateleiras do gabinete. Eles, inclusive, prestigiaram a posse da ministra, em 2011. "Não trabalhei em regime de exploração, diferentemente de muitas por aí", afirmou.
A empresária Ivonete Severo, 34 anos, natural de Caldas Novas, trabalhou de doméstica por pouco mais de um ano e também guarda boas lembranças daquela época. Ela tinha acabado de desembarcar em Brasília e precisava começar a ter alguma renda. Aceitou, então, o convite para manter em ordem um apartamento na Asa Norte. Dormia na residência e ganhava R$ 120 por mês. O dia começava com ela preparando o café da manhã, às 8h. Após o lanche da tarde, estava liberada para assistir à televisão e a descansar. Caso os serviços invadissem a noite, as horas extras podiam ser compensadas com folgas. "Não fui do tipo escrava. Ainda bem."
Mordomia Disposta a mudar de vida, Ivonete ousou pedir as contas para disputar vaga de manicure em salões de beleza. Há um ano, abriu a própria empresa e virou patroa. Comprou carro, conquistou a casa própria e viaja todo ano com a família. No início, teve dificuldade de contratar empregadas fixas e optou pelo serviço de diaristas. Hoje, não paga ninguém para cuidar do apartamento no mesmo bairro onde atuou como doméstica, mas cumpre com rigor as leis trabalhistas nos contratos das 10 funcionárias do salão. "Todos têm direito a melhorar de vida", comentou.
A tendência, acredita Ivonete, é que, como ela, muitas outras patroas dispensem as empregadas em casa daqui para a frente, impulsionando uma mudança cultural. "Em geral, as pessoas ainda gostam muito de mordomia. Tem gente que não cogita a possibilidade de arrumar cama ou limpar a cozinha", acrescentou. É por essa razão que, na opinião dela, apesar das transformações nessa relação trabalhista, haverá sempre espaço para domésticas no mercado.
Novos hábitos Em países da Europa e nos Estados Unidos, ter doméstica em casa é considerado luxo e privilégio, até porque custa caro contar com o serviço delas. As famílias que não têm empregadas, no entanto, geralmente dispõem de uma estrutura mais eficiente para lidar com essa ausência, como creches para cuidar dos filhos pequenos e jornada de trabalho reduzida. Como consequência dessa nova realidade dentro dos lares, não param de surgir invenções voltadas para facilitar a vida das pessoas na limpeza e na organização da residência, por exemplo. Com isso, também, todos os integrantes da família passam a assumir a responsabilidade pela manutenção da ordem na casa.