Título: Papa exige ação contra pedofilia
Autor: Valente, Gabriela Freire
Fonte: Correio Braziliense, 06/04/2013, Mundo, p. 15

O papa Francisco cobrou ontem ações contundentes contra membros da Igreja Católica envolvidos em casos de pedofilia, além do amparo efetivo às vítimas. Segundo o Vaticano, o pontífice fez o pedido ao prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, monsenhor Gerhard Müller, encarregado de cuidar de denúncias do gênero. "O Santo Padre recomendou que se prossiga com a linha de Bento XVI, de agir com determinação nos casos de abuso sexual", informou a Santa Sé.

Francisco completa um mês à frente da Igreja no próximo dia 13 e, desde a eleição, é a primeira vez que se pronuncia sobre as denúncias contra padres pedófilos. O papa deve dar sequência à política do antecessor — que defendia a suspensão de sacerdotes envolvidos em casos do gênero e a colaboração da Igreja nas investigações judiciais — e instruiu a cúpula católica a promover, "acima de tudo, medidas de proteção dos menores". De acordo com a Santa Sé, Francisco pediu que "todos aqueles que foram vítimas de violência no passado sejam ajudados" e convidou as conferências episcopais de todos os países a "formularem e cumprirem" as diretrizes estabelecidas.

O Vaticano ainda ressaltou que essa reação é importante "para a credibilidade da Igreja". Roberto Romano, professor de ética e vaticanista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vê nas medidas para combater a pedofilia no clero "a única saída possível para a instituição escapar do descrédito". "De todos os itens da complexa agenda da Igreja, esse é fundamental, pois diz respeito à vida interna. Abusos sexuais representam uma quebra disciplinar insuportável para o sistema católico e levariam ao colapso da hierarquia", explica Romano. "O papa está chamando a corresponsabilidade dos bispos. Acredito que haverá uma tentativa muito forte de atenuar ao máximo esses problemas dentro da Igreja", completou o especialista.

Ceticismo

A instituição norte-americana Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres (Snap, na sigla em inglês) reagiu com ceticismo ao comunicado da Santa Sé. Em entrevista à rede CNN, Barbara Dorris, diretora da organização, afirmou que há necessidade de ações, não de palavras. "É trágico que um papa que está enviando sinais de mudança de várias maneiras peça a um alto assessor para permanecer no caminho irresponsável traçado por Bento XVI e não queira mudar a forma como a Igreja lida com os crimes de pedofilia e seu acobertamento", declarou Dorris.

No início do ano 2000, os Estados Unidos foram palco da primeira série recente de escândalos sobre sacerdotes que abusaram de crianças e adolescentes, um processo que levou ao afastamento do cardeal de Boston, Bernard Law, acusado de acobertar casos de abuso. Nos anos seguintes, relatos semelhantes surgiram pela Europa, sobretudo na Irlanda, onde foram registradas milhares de denúncias envolvendo orfanatos, escolas e reformatórios dirigidos pela Igreja, no período compreendido entre 1930 e 1990. Segundo o promotor de Justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, Robert Oliver, nos últimos três anos a instituição recebeu cerca de 1.800 denúncias de pedofilia. A maioria dos crimes foi cometida entre 1965 e 1985. As denúncias são provenientes "de todas as partes do mundo, sem grandes diferenças", de acordo com Oliver.

"Abusos sexuais representam uma quebra disciplinar insuportável para o sistema católico e levariam ao colapso da hierarquia"

Roberto Romano, professor de ética e vaticanista da Unicamp