Título: Brechas para o desperdício
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 24/03/2013, Política, p. 2

Câmara conta com equipe especializada em consultoria legislativa, mas deputados podem contratar estudos e trabalhos técnicos externos

A possibilidade de usar os recursos da cota parlamentar para pagar serviços que são oferecidos pela própria Câmara abre brechas ainda maiores para o desperdício. Apesar de a Casa dispor de uma consultoria legislativa especializada e formada apenas por profissionais graduados e concursados, o dinheiro da verba indenizatória pode ser usado, por exemplo, para pagar consultorias externas e trabalhos técnicos produzidos por empresas privadas.

Atualmente, a equipe de consultoria da Câmara é formada por 198 servidores especializa-dòs em 22 áreas temáticas, que vão de direito constitucional a recursos minerais, hídricos e energéticos. Com salário inicial de R$ 22.663,10, eles são pagos para elaborar estudos, notas técnicas, minutas de proposições è pareceres, relatórios e pronunciamentos parlamentá-res, entre outrós trabalhos.

"É uma assessoria altamente qualificada", afirmou o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Barreto. A especialização da equipe, no entanto, é o argumento usado pelo primeiro-se-cretário da Casa, Márcio Bittar (PSDB-AC), para justificar a possibilidade de usar a cota para pagar consultorias e trabalhos técnicos. Na opinião dele, não há sobreposição de gastos. A verba indenizatória também pode ser usada para custear pesquisas socioeconômicas, que não são feitas pelos servidores da Casa. Só para pagar a equipe da consultoria legislativa, a Câmara desembolsa, por baixo, R$ 4,5 milhões por mês — cerca de R$ 60 milhões por ano. Na conta, foram levados em consideração apenas os sa-lárioç iniciais dos funcionários.

Pesquisa Em janeiro, o Correio mostrou que, apesar do uso eleitoral da cota ser proibido, o dinheiro também é usado para bancar gastos de campanha. No ano passado, o deputado Assis Melo (PCdoB-RS), derrotado na disputa ao cargo de prefeito de Caxias do Sul (RS), usou a verba para pagar uma pesquisa de opinião no município onde foi candidato. Antes da publicação da reportagem, Assis Melo foi procurado por três dias para se pronunciar sobre o assunto, mas não retornou as ligações. Dessa vez, o chefe de gabinete do parlamentar, Elias Ferreira, se pronunciou. Ele alegou que o levantamento foi feito em março de 2012, quando "nem se comentava a possibilidade de o deputado ser candidato". "Não há vinculação de conotação político - eleitoral", disse. Ao contrário do que Elias Ferreira afirmou, no começo do ano passado, Assis Melo já dava entrevistas como pré-candidato do PCdoB à prefeitura de Caxias do Sul.

Ex-deputado federal pelo PSDB de Minas Gerais, Rafael Guerra disse que, em 2009, quando era primeiro-secretário da Câmara, chegou a elaborar uma proposta que aproximaria a fiscalização feita na Casa da existente no parlamento americano. A ideia era que cada gabinete funcionasse como uma unidade orçamentária e precisasse prestar contas trimestralmente, sob risco de não receber os recursos dos três meses seguintes, caso não apresentasse a documentação ou tivesse as contas contestadas. "O parlamentar teria que ter contador e livro caixa para prestar contas com detalhes, como se fosse uma empresa. Mas, naquela época, uma proposta como essa não teria respaldo", afirmou. A ideia nunca foi transformada em projeto de resolução e, portanto, nem sequer chegou a tramitar na Câmara.