Título: Fiscalização capenga
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 24/03/2013, Política, p. 2

Especialistas alertam para a falta de controle na análise das notas apresentadas pelos deputados na hora de justificar os gastos da recém-aumentada cota parlamentar

O valor da cota parlamentar paga a cada um dos 513 deputados federais vai aumentar, mas os mecanismos de controle e fiscalização da Câmara continuam frágeis e insuficientes para coibir desvios e desperdícios. Em 2012, a Casa colocou mais de R$ 183 milhões à disposição dos deputados, dos quais R$ 178 milhões efetivamente pagos, mediante apresentação de notas fiscais. Ao longo do ano, 205 mil comprovantes foram apresentados e analisados por uma diminuta equipe de 21 funcionários. Significa dizer que, em 2012, cada um deles precisou dar conta de 45 notas, em média, por dia—isso sem considerar folgas e faltas por doença ou qualquer outro motivo. A própria Câmara admite: a equipe apenas checa se o tipo de serviço descrito na nota se encaixa nas normas de uso da cota e se o nome da empresa bate com oCNPJ impresso no comprovante. A partir de Io de abril, quando o reajuste deve começar a valer, essa mesma equipe terá que analisar a prestação de contas de um volume de recursos que pode chegar a R$ 205,6 milhões—R$ 22 milhões a mais do que no ano passado.

Para o diretor de Defesa Profissional do Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita), Odair Ambrósio, o tamanho da equipe de fiscalização da cota parlamentar da Câmara é suficiente apenas para uma análise superficial. “Para verificar se o CNPJ corresponde à empresa, é só acessar o site da Receita. Muitas vezes, no entanto, o CNPJ existe, mas a empresa, não. Para ligar para a empresa ou ir ao local e verificar se ela é fantasma ou não, uma equipe desse tamanho não é suficiente. Cada um não conseguiria analisar mais de 10 notas fiscais por dia, num ritmo de trabalho forte”, afirmou. Se cada funcionário verificasse 10 notas por dia, a Câmara precisaria de mais de 80 pessoas para dar conta de um volume de notas similar ao apresentado no ano passado, antes do reajuste.

A Casa, no entanto, se exime do trabalho e diz que cabe exclusivamente ao deputado a responsabilidade pela compatibilidade entre o objeto do gasto e a legislação. Segundo a assessoria de imprensa da Câmara, “não existe análise de mérito nem fiscalização in loco”. “No Brasil, em qualquer esquina é possível comprar notas fiscais. É preciso haver controle interno eficiente, além de controle externo e social. Mas o controle interno é precário, o externo é praticamente inexistente, e o da sociedade também, uma vez que as notas fiscais não estão disponíveis na internet", disse o fundador do Contas Abertas, Gil Castello Branco.

Em levantamento feito em parte das notas fiscais apresentadas pelos parlamentares no ano passado, o Correio encontrou até comprovantes com numeração se-quenciada e valores repetidos, relativos a gastos com alimentação de um mesmo parlamentar, em dias diferentes. Mesmo diante do indício de irregularidade, a Câmara respondeu que “a numeração se-quendal de nota fiscal por si só não configura ilegalidade”. “Não existe controle sobre o uso desses recursos. Boa parte é usada como com-plementação salarial ou divulgação do mandato, que acaba servindo como propaganda do candidato. Conseguir nota fiscal não é problema para os deputados. Eles não precisam provar que a publicação foi feita, ou o serviço, prestado. O sistema é viciado”, opinou o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Barreto.

As notas fiscais têm natureza pública, mas o acesso a elas não é fácil e, não raro, com divulgação apenas parcial, o que dificulta o controle social. A Câmara justifica que o volume de documentos é muito grande. Em fevereiro, o Correio solicitou acesso às notas fiscais de janeiro.

O pedido não foi atendido. Por e-mail, a Câmara respondeu que “o novo sistema informatizado de gestão da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar está em fase de homologação e, em breve, estará em funcionamento”. Informou, ainda, que a alteração tem como objetivo principal possibilitar a inclusão dos documentos de 2013 diretamente no portal. Na última sexta-feira, a assessoria de imprensa dsL Casa disse, no entanto, que não há. nenhuma previsão para divulgação dessas notas na internet.

Erros

Primeiro-secretário da Câmara., Márcio Bittar (PSDB-AC) afirma que é impossível verificar a veracidade de todas as informações declaradas pelos parlamentares e pagas com dinheiro do contribuinte “Vamos imaginar que os 513 deputados aluguem carros. A Câmara não tem como fiscalizar isso”, disse. “Todo mundo é inocente até que se prove o contrário”, afirmou.

Em 2011 e 2012, a Câmara devolveu 3.155 notas fiscais aos deputados por “não preencherem os requisitos para liquidação da despesa pública”. Entre as razões para a rejeição estão rasuras, documentos em nome de terceiros, informações incompletas sobre a empresa que prestou o serviço e erros de preenchimento. Segundo a Câmara, todos os gastos da Câmara são alvo de auditoria por parte da Secretaria de Controle Interno da Casa e do Tribunal de Contas da União (TCU). As prestações de contas da Câmara referentes aos anos de 2010 e 2011 ainda estão em tramitação no TCU.

A cota parlamentar foi criada em 2009, quando, após críticas e denúncias de mau uso, a polêmica verba indenizatória deixou de existir, sendo, na prática, agregada aos gastos postais, telefônicos e de passagens aéreas, sob o apelido de “cotão”. Na última quinta-feira, a Câmara divulgou um estudo que será utilizado para o reajuste da cotapadamentar. Os valores serão, a partir de abril, R$25 mil para os deputados do Distrito Federal e R$ 38 mil para os parlamentares de Roraima.

Como funciona

Cada um dos 513 deputados federais recebe salário de R$26.723,13

Os descontos salariais por falta injustificada não podem ultrapassar 16,701,96, equivalente a 62,5% da remuneração.

Os deputados tên salários extras, alim das remunerações mensais e do 13a. Eles sâo pagos no Mo e no fim do mandato

Cota parlamentar O valor mensal da cota para exercício da atividade parlamentar varia de R$23.033,13 (deputados do Distrito Federal) a R$34.258,50 (deputados de

Na última quinta-feira, a Câmara dos Deputados concluiu o estudo encomendado pela Mesa Diretora sobre o reajuste da cota de atividade parlamentar. O cotão passará a ser de R$ 25 mil (DF) a R$ 38 mil (RR). O reajuste deve começar a valer em abril.

O recurso é usado para pagar

? passagens aéreas

? telefonia

? serviços postais

? manutenção de escritórios de apoio à atividade parlamentar

? fornecimento de alimentação do parlamentar

? hospedagem, exceto do parlamentar no Distrito Federal

? locaçiooufretamentode aeronaves, embarcações e veículos automotores

? combustíveis e lubrificantes

? serviços de segurança

? consultorias e trabalhos técnicos

? divulgação da atividade parlamentar

Apenas dois itens têm limite de gasto: despesas com combustíveis e com empresas de segurança. Os deputados podem gastar até RS 4,5 mil mensais com cada uma dessas rubricas

Adicional de R$ 1344,54 é pago aos líderes e aos viee-líderes da Câmara e do Congresso, e aos líderes e vice-líderes de partidose blocos partamerrtares. Representantes de partidos com menos de um centésimo da composição da Câmara também têm direito

Mais de 280 milhões foram pagos em 2011 e 2012 a título de cota para exercício da atividade parlamentar

Parlamentares que mais usaram a cota parlamentar: Johnathan de Jesus (PRB-RR) R$778.665,55

Paulo César Quartiero (DEM-RR) R$778.037,69

Wellington Roberto (PR-PB) R$773.282,43

Parlamentares que gastaram menos com cota parlamentar:

Reguffe {PDT-DF} - R$ 19.407,46

Nice Lobão {PSD-MA} - 8$ 62363,44

Miro Teixeira (PDT-RJ) - 8$ 175506,16

Deputados que não quiserem morarem um dos 432 apartamentos funcionais têm direito a R$ 3 mil de auxílio-moradia. Atualmente, 196 deputados recebem o benefício. Em 2012, a Câmara pagou R$ 7332.705,62 em auxílios-moradia. Cento e trinta e um apartamentos funcionais estão desocupados. A partir de abril, o valor do auxilio-moradia vai subir para R$3,8mil

Gabinetes Os parlamentares também tem direito a 78 mil mensais de verba de gabinete, usada para pagar os salários e as comissões dos funcionários dos gabinetes. Cada deputado pode contratar entre 5 e 25 secretários

R$ 362.097.626,21 foram pagos de verta de gabinete pela Câmara em 2012 R$345,443.848,55 foram pagos de verba de gabinete pela Câmara em 2011

Em 2012, a Clmara também gastou extraordinários, restituições de faltas e vatores pagos em atraso náo computados em outras rubricas

Serviços disponibilizados pela Câmara aos Deputados

A Câmara dispõe de uma consultoria legislativa composta por 19 profissionais concursados de nível superior especializados em 22 áreas temáticas, pagos para elaborar estudos, notas técnicas, minutas de proposições e pareceres, relatórios e pronunciamentos parlamentares, entre outros trabalhos

O salário inicial de cada um deles é de R$22.663,10, Por baixo, a Câmara gasta 4,4 bilhões por mês para pagar os salários da equipe e ainda permite que os parlamentares usem o “cotâo’ para contratar consultorias e trabalhos técnicos a empresas privadas

Os deputados também podem usar a cota para pagar a divulgação da atividade parlamentar. A Câmara, no entanto, tem uma gráfica. Em 2012, a Câmara gastou com a gráfica R$ 116.563,71 para custear a impressão de trabalhos requisitados pelos deputados.