Título: Desigualdade piora na conta
Autor: Furbino, Zulmira
Fonte: Correio Braziliense, 24/03/2013, Economia, p. 11

Consumidor de local precário, onde os custos das empresas são mais elevados, paga mais do que em áreas de alta renda

O impacto da conta de luz no lorçamento das famílias brasileiras é um reflexo das desigualdades regionais. Números da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), comparados com a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (Pnad), mostram que nos estados em que a população tem a maior renda média paga-se muito menos pela tarifa de energia do que nos de renáa inferior. Levando-se em conta os dois valores, descobre-se que em Brasília, com renda média por pessoa de R$ 1.865, amaior do Brasil, a capacidade de gastar energia é seis vezes superior à de alguém que mora em São Luís, no Maranhão e três vezes superior à da população mineira deiaquadioaolado).

O abismo que separa essas d vias realidades aumentou do ano passado para cá, quando passaram a valer as novas regras do setor elétrico, definidas Medida Provisória 579. A MP criou mecanismos para a redução da tarifa de energia e permitiu a renovação antecipada das concessões do segmento. De acordo com Daniel Passos, economista do Departamento Inter-sindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (Dieese) em Santa Catarina, antes da MP o preço do megawatt/hora (MW/h) na Cepisa, distribuidora do Piauí,

era 49,44% mais caro do que o da Companhia Energética de Brasília (CEB). O detalhe cruel é que o poder de compra da população do Distrito Federal é 3,6 vezes mais alto do que a dos que vivem no Piauí. Diante disso, um brasi-liense tem capacidade de consumo de energia 5,5 vezes superior ao piauense.

“A MP reduziu a conta de luz para todos, de forma igualitária, mas a distância dos preços pagos entre os mais pobres e os mais ricos se aprofundou”, observa Passos. Outros disparates chamam a atenção no setor elétrico brasileiro. Em São Paulo, onde a renda média é de R$ 1.121, o valor do MWh é R$ 208,77. No Piauí, que tem renda média de R$ 513, paga-se 73% mais pela mesma quantidade de energia, que custa

R$ 362,92. Maiortiinda é a distân cia de 77,5% que separa a tafifa praticada no Acre da existente na capital paulista. Nesse estado do Norte, o rendimento médio da população, R$ 694, é quase metade do encontrado em São Paulo.

Essa desigualdade tem lógica: o preço da tarifa reflete as condições de fornecimento de energia na área de concessão de cada emprésa. “Como não existe mecanismo de equalização, as contas de luz passaram a ter um viés regressivo, no qual as regiões que mais precisam, por serem mais pobres, sofrem com a energia mais cara em razão dos custos de distribuição do insumo”, observa Passos. Quanto maior em termos territoriais e menos habitado é um estado no Brasil, mais alto será o custo do MW/h para o consumidor. Em 2010, último dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a densidade demográfica no Maranhão era de 19,81 habitantes por quilômetro quadrado. Em São Paulo, são 166,25 pessoas na mesma área. No Piauí, são 12,4 habitantes e no Acre 4,47.

"Os estados mais pobres do Brasil são os de menor densidade demográfica. Neles, a rede elétrica tem que ser muito mais extensa, a manutenção é mais cara e as perdas de energia, maiores”, explica Cláudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil.

Para ele, porém, é importante que haja um sinal econômico claro do custo da energia em cada região de distribuição. “As pessoas precisam saber quanto custa a energia que consomem. Fazer uma energia cara parecer barata tem outros custos para a sociedade e para o país”, diz.

O que mais pesa nessa conta é o custo da distribuição. No Piauí, um estado com 3,1 milhões de habitantes e área de 251,5 mil quilômetros quadrados, dividido em 224 municípios, é praticamente impossível conseguir escala para reduzir os custos da conta de energia, afirma Passos.