Correio braziliense, n. 20981, 02/11/2020. Política, p. 2

 

Queimaduras da política ambiental

Bruna Lima

Maíra Nunes

Simone Kafruni 

02/11/2020

 

 

Um dos ministros mais criticados do governo Bolsonaro, Ricardo Salles tem mais um resultado desfavorável para explicar na sua pasta. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou, ontem, os registros consolidados da destruição do Pantanal e da Amazônia no mês de outubro. Em relação ao primeiro bioma, o Inpe registrou 2.856 focos de incêndio — pior marca para o mês desde que o instituto passou a monitorar as chamas nos biomas brasileiros, em 1998. Outubro também foi vermelho na Amazônia. Os focos de incêndio na região aumentaram 120% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Foram 17.326 focos de calor contra 7.855, em 2019. O acumulado dos 10 meses de 2020 soma 93.356 focos de incêndio, um aumento de 25% em relação ao agregado do ano passado, que contabilizou 74.604. Não se via situação igual desde 2010 para Amazônia, quando o somatório dos 10 meses do ano apontou 117.207 registros.

"O aumento das queimadas em outubro é o que o governo colhe por ter deixado a boiada passar. É exatamente o que se espera de um país que destruiu sua governança ambiental, fechando, na prática, o Ministério do Meio Ambiente, que estimulou a impunidade em atos e discursos e que enterrou os planos de prevenção e controle do desmatamento", critica o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.

Pior que outubro, setembro de 2020 foi o mês em que mais o Pantanal queimou na comparação com todos os outros meses do ano na história do levantamento. O alerta de que o bioma sofreria uma das piores perdas foi evidenciado em julho, que também extrapolou o máximo de registros até então, somando 1.684 focos. Já agosto de 2020, que somou 5.935 incêndios, só não superou o mês oito de 2005, quando o fogo atingiu 5.993 pontos.

No acumulado dos primeiros 10 meses do ano, o Pantanal também tem as maiores perdas históricas, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). São 21.115 focos desde o início deste ano sendo que, nesse mesmo intervalo de 2019, foram registrados 4.413 focos de calor, o que representa um aumento de 148%.

Trabalho constante

Presidente da comissão parlamentar externa que debate as queimadas no Pantanal, o senador Wellington Fagundes (PL-MT) reitera que a situação deste ano não pode cair no esquecimento. "O cenário de destruição não pode voltar a se registrar na mesma dimensão. O verde que agora volta não pode apagar as cinzas, nem as imagens da vegetação queimada e dos animais mortos. A demora nas ações de prevenção não pode voltar acontecer, e estaremos atentos. Não temos visto nenhum órgão oficial fazendo um inventário dos estragos causados pelo fogo. Sabemos que temos organizações não governamentais fazendo esse trabalho. E é assim que vai ficar?", questionou, durante a última reunião da comissão, na sexta-feira passada.

A partir de novembro, a tendência é de diminuição das queimadas com a intensificação das chuvas, o que não significa uma redução de ações no combate aos incêndios. É o que reforça o coordenador técnico do MapBiomas, que trabalha em parceria com o Instituto Socioambiental SOS Pantanal, Marcos Rosa. "Nunca se deve reduzir as ações de combate antes da chegada realmente da chuva, como já ocorreu no Pantanal".

A gerente de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano, complementa: "Não podemos depender apenas dos fatores climáticos. Com as taxas de desmatamento cada vez maiores nos últimos anos, os alertas dos pesquisadores foram ignorados pelo governo: desmatamento e fogo andam juntos. O que aconteceu na temporada da seca em 2020 não pode se repetir".

Para combater as queimadas e os desmatamentos no bioma, a operação Verde Brasil 2 foi prorrogada oficialmente até novembro deste ano e deverá se estender até 2022, segundo planejamento do Conselho da Amazônia. Esta semana, o vice-presidente Hamilton Mourão levará representantes de diversos países para uma viagem pela Amazônia. De acordo com o roteiro elaborado pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), os diplomatas devem visitar roteiros nas cidades de Manaus, São Gabriel da Cachoeira e Maturacá.

A viagem é uma resposta do governo federal à onda de críticas na comunidade internacional sobre o aumento das queimadas nas áreas verdes do país.