O Estado de São Paulo, n.46312, 04/08/2020. Política, p.A4

 

Fachin revoga ato de Toffoli sobre dados da Lava Jato

Rafael Moraes Moura

04/08/2020

 

 

Judiciário. Ministro-relator da operação barra decisão do presidente do STF que autorizou compartilhar informações das forças-tarefa com a PGR; revisão significa revés para Aras

Relator. Edson Fachin decidiu em uma ação movida pela Procuradoria-geral da República

No mais recente embate entre a Lava Jato e a cúpula do Ministério Público Federal, o ministro Edson Fachin, relator da operação no Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou ontem a decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, que havia determinado o compartilhamento do banco de dados das forças-tarefa da operação – em Curitiba, São Paulo e no Rio. A decisão marca uma derrota para a gestão do procurador-geral da República, Augusto Aras, que está em guerra com investigadores sob o discurso de impor uma "correção de rumos" à apuração que desbaratou um esquema bilionário de corrupção.

No mês passado, durante o plantão do STF, Toffoli determinou às forças-tarefa da Lava Jato que enviassem à Procuradoria-geral da República (PGR) "todas as bases de dados utilizadas e obtidas em suas investigações". Com o retorno das atividades normais do tribunal, o caso foi encaminhado a Fachin, relator da ação, que anulou o entendimento do presidente do STF. A "guerra de liminares" expõe as divisões internas do próprio Supremo sobre os métodos de investigação da Lava Jato .

Como a decisão de Fachin possui efeitos retroativos, a PGR não pode se debruçar sobre os dados já enviados. Segundo o Estadão apurou, técnicos da Procuradoria já haviam coletado informações de Curitiba, mas ainda não tinham se deslocado ao Rio e a São Paulo atrás dos dados colhidos nas apurações. Procurada pela reportagem, a PGR informou que vai recorrer, mas não esclareceu o que vai fazer com as informações obtidas em Curitiba.

O relator da Lava Jato decidiu não autorizar o compartilhamento em uma ação movida pela própria PGR, que questiona suposta ingerência dos procuradores ao investigar os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), quando ambos possuem prerrogativa de foro privilegiado.

A briga de Aras com as forças-tarefa da Lava Jato formou um "alinhamento de interesses" nos bastidores que inclui o Palácio do Planalto, uma ala do STF e líderes políticos dos mais variados espectros ideológicos, incluindo expoentes do Centrão, oposicionistas e bolsonaristas.

Ao derrubar o entendimento de Toffoli, Fachin alegou questões processuais, apontando que o instrumento utilizado – uma reclamação – não era a via adequada. Um dos principais argumentos usados pela PGR, por sua vez, é que a negativa do envio dos dados pelas forças-tarefa confrontaria uma decisão do Supremo em que se discutiu a unidade do Ministério Público Federal e o deslocamento de integrantes dentro da instituição.

"Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas. Entendo não preenchidos os requisitos próprios e específicos da via eleita. Pelo exposto, nos termos do regimento interno do Supremo Tribunal Federal, nego seguimento à reclamação e revogo a liminar", concluiu Fachin.

Críticas. Após receber os dados de Curitiba, o procurador-geral da República disse na semana passada que, se todo o MP tem 40 terabytes, só Curitiba possui 350 terabytes e 38 mil pessoas com dados depositados. "Ninguém sabe como foram escolhidos, quais os critérios, e não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos", atacou Aras. De acordo com interlocutores do procurador-geral, os dados da força-tarefa não estavam armazenados em canais oficiais do Ministério Público Federal.

No mês passado, Toffoli chegou a dizer que os procuradores da Lava Jato, ao negar o repasse de informações ao PGR, cometeram "evidente transgressão".

O cabo de guerra de Aras com as forças-tarefa foi alvo de críticas durante uma tensa reunião do Conselho Superior do MPF, na sexta-feira passada. Quatro conselheiros assinaram uma carta para dizer que as afirmações de Aras "alimentam suspeitas e dúvidas" sobre a atuação do MPF. Exaltado, o procurador-geral encerrou a sessão enquanto conselheiros ainda se manifestavam.

Prazo. Como mostrou o Estadão no domingo, a ofensiva de Aras para enquadrar a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba lança incertezas sobre o destino da operação. Em 10 de setembro vence o prazo para a renovação do grupo de trabalho da operação no Paraná – a equipe é composta por 14 procuradores da República sob a coordenação de Deltan Dallagnol.

Na prática, a renovação significaria manter toda a estrutura hoje disponível, não apenas de procuradores, mas também servidores de apoio, que atuam em áreas de assessoria jurídica, análise, pesquisa e informática.

Negativa

"Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas."

Edson Fachin

RELATOR DA LAVA JATO NO SUPREMO