Valor econômico, v. 21, n. 5136, 26/11/2020. Brasil, p. A8

 

Documento propõe “passo adiante” na relação com a China

Marta Watanabe

26/11/2020

 

 

Propostas incluem acordos comerciais, redesenho de fundo e institucionalização de mecanismos permanentes para criação de estratégias nas relações com o país asiático

O Brasil tem “histórias de sucesso” em relação às exportações para a China e à recepção de investimentos do país asiático. Mas mudanças na política chinesa e no cenário internacional demandam medidas para que se efetive a diversificação e a agregação de valor das exportações e, no campo dos investimentos se aproveitem oportunidades dadas pela complementaridade entre os dois países. Acordos comerciais, redesenho do Fundo Brasil-China e institucionalização de mecanismos permanentes para criação de estratégias nas relações com o país asiático, sob coordenação do governo federal, estão entre as ações que podem contribuir para isso.

As considerações constam do estudo “Bases para uma estratégia de longo prazo do Brasil para a China”, que deve ser divulgado hoje pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). De autoria da diplomata e economista Tatiana Rosito, ex-secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), o documento também aponta, no horizonte de curto prazo, para as expectativas em relação ao leilão do 5G, previsto para o primeiro semestre de 2021. A decisão, diz o documento, constituirá um marco importante para o posicionamento brasileiro em relação ao binômio economia-segurança e à própria rivalidade estratégica China-EUA.

“O 5G é um tema que está em avaliação no mundo inteiro e isso é legítimo. O Brasil tem todo o direito de ter sua posição”, avalia Tatiana. A decisão, diz, é complexa e tudo depende, da forma como as condições serão definidas. “A China conseguiria conviver com regras horizontais e seria mais difícil de conviver com restrições que sejam julgadas como distorcivas.” Em relação ao conflito entre China e Estados Unidos, o Brasil, defende ela, deve atuar de forma estratégica, em busca da preservação de seus interesses e de conexões externas que potencializem desenvolvimento sustentável.

No campo do comércio exterior, afirma ela, a agregação de valor pode acontecer tanto em produtos já exportados, como nas commodities minerais e agropecuárias, como também pela diversificação da pauta exportadora. Um caminho para isso seria a negociação de acordos comerciais com a China, sejam regulatórios, sejam preferenciais. As negociações podem levar, no futuro, a um acordo de livre-comércio que, diz, “não pode ser um tabu, embora possa ser um passo muito longo no momento”.

Outra oportunidade, diz ela é dada pelo e-commerce, onde o desafio maior é comercial, para conhecer as demandas do consumidor chinês e chegar até ele. Nesse sentido, diz, é preciso reforçar a presença comercial e institucional na China. Ela destaca a necessidade de que associações de classe tenham base no país asiático para conhecer o mercado e também seus concorrentes.

Em relação a investimentos chineses, afirma ela, o Brasil tem uma “história de sucesso, a exemplo das exportações”, já que o país asiático é o maior destino dos embarques brasileiros e também foi um dos países que mais receberam investimentos chineses nos últimos dez anos, destaca. Mas, embora ainda não esteja claro, diz ela, há indicações de que o apetite chinês no mundo todo irá diminuir. Apesar da grande complementaridade entre os dois países, diz ela, é preciso também observar as mudanças no país asiático.

“O modelo que serviu como história de grande sucesso para o petróleo e o setor elétrico não é parâmetro para o futuro. A expectativa é que haja mais investimento no modelo de concessões, o que demanda parcerias com agentes locais.” Para isso, há necessidade de incentivar o diálogo entre bancos públicos e privados que atuam como estruturados de projetos no Brasil e as grandes empresas chinesas, que têm também papel estruturador, diz ela.

Tatiana defende também um redesenho do Fundo Brasil-China, criado em 2015, com o compromisso de alocarem-se US$ 15 bilhões pelo lado chinês e US$ 5 bilhões pelo brasileiro. O mecanismo acabou não atraindo agentes financeiros e por isso, analisa, não avançou, frustrando expectativas.