Correio braziliense, n. 20984, 05/11/2020. Economia, p. 7

 

Mercado contabiliza efeitos da onda azul

Vera Batista 

05/11/2020

 

 

 
A onda azul — que representa uma vitória de Joe Biden na corrida presidencial norte-americana —segue dominando as preferências dos mercados internacionais. Como é o pragmatismo e o lucro que definem o humor dos investidores, se antes demonstravam preferência pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, agora estão recém-convertidos ao candidato democrata e já compraram a sua possível vitória. "O mercado se adapta, não pode perder tempo", resumiu Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset.

Quando o pregão fechou, ontem, Biden continuava em vantagem sobre Trump, que mantinha a disposição de pedir recontagem de votos por conta de uma suposta fraude eleitoral. Com esse pano de fundo, o dólar comercial fechou em queda de 1,88% frente ao real, cotado a R$ 5,659 para compra e a R$ 5,661 para venda. O Ibovespa, índice que mede o desempenho das principais ações da Bolsa de Valores brasileira (B3), encerrou o dia em alta de 1,97%, batendo 97.805 pontos. Na Europa, o movimento também foi positivo: na Bolsa do Reino Unido, a valorização do índice foi de 1,67%; na Alemanha, o avanço foi de 1,95%; na França, alta de 2,44%; e na Itália, incremento de 1,96%. Em Nova York, os ganhos chegaram a 3,85% no fechamento do Nasdaq.

E enquanto durar a disputa, a tendência é de desvalorização contínua do dólar frente ao real, de acordo com José Roberto Carreira, operador de câmbio da Corretora Fair. "Biden anunciou um pacote trilionário para debelar os efeitos da pandemia na economia americana, o que vai beneficiar os mercados emergentes, entre eles o Brasil", afirmou. No dia anterior, a moeda norte-americana fechou cotada a R$ 5,762.

Reflexos positivos
Por outro lado, segundo o especialista, o apoio de vários países da Europa e a anunciada intenção do candidato democrata de ajudar com US$ 30 bilhões para combater os estragos dos incêndios na Amazônia podem ser um dado positivo –– mesmo que o Palácio do Planalto diga que não queira –– para o país. "O Brasil vai ter que se ajustar às novas políticas de meio ambiente, o que poderá, de alguma forma, colaborar para melhorar a imagem fora e no retorno de investimentos e financiamento externos", reforçou Carreira.

O que seduzia o mercado doméstico era justamente a redução de impostos corporativos das empresas americanas, uma iniciativa de Trump, explica Jason Vieira. "Mas Biden promete o mesmo tipo de estímulo. E, a rigor, para o Brasil, Trump não fez nada de concreto –– embora tendo apresentado uma gestão eficiente de seu país. Para nós, nenhuma vantagem nas relações comerciais", lembrou o economista-chefe da Infinity Asset.

Mas, seja qual for o resultado das eleições americanas, as incertezas continuarão. Os investidores se manterão atentos ao desenrolar das medidas para conter os impactos econômicos da pandemia pelo novo coronavírus. "Não se sabe como a Europa vai conseguir lidar com esta segunda onda, ou se os EUA vão precisar enfrentar a crise sanitária com novos estímulos. Tudo isso está em aberto", reforçou Vieira. No mercado interno, observa ele, as questões não são menos desafiadoras.

"Se Biden for eleito, é quase certo que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, seja substituído. O vice-presidente, Hamilton Mourão, deve ganhar um protagonismo maior. Se as questões ambientais ficarem mais sérias, o Brasil tem a saída de se aproximar mais da China, por exemplo. Mas será que vai ser esse o caminho escolhido pelo governo? Enfim, há muita coisa que precisa ser desenhada", enfatiza Vieira.

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Risco para balança Brasil-EUA 

Israel Medeiros 

05/11/2020

 

 

As relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos sofreram forte contração em 2020 graças à pandemia do novo coronavírus. Mas, diante da possibilidade da eleição de Joe Biden (democrata) para a Casa Branca, é concreta a hipótese de que a redução dos resultados da parceria Brasil-EUA se agrave por causa das posições do governo .

De acordo com dados da balança comercial brasileira, divulgados na última terça-feira pelo Ministério da Economia, o país exportou R$ 17,1 bilhões em produtos para os EUA, entre janeiro e outubro deste ano, contra R$ 24,7 bilhões do mesmo período do ano passado –– o que representa uma redução de 29,6%. Nas importações, o recuo foi de 19,7%.

Caso se confirme a vitória de Biden, o reflexo do antagonismo com o Palácio do Planalto será sentido primeiramente no setor comercial, conforme explica José Luis Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB).

"O principal problema é a questão ambiental. tem que demitir imediatamente os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e o Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e substituí-los por pessoas com credibilidade. Se ele fizer isso, é possível construir uma relação saudável. Vai depender muito mais do governo brasileiro", observou.

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o Brasil precisa adotar novas estratégias para se tornar protagonista no mercado internacional. Para isso, é necessário fazer reformas estruturais. "O país assume, hoje, uma posição de coadjuvante. Não estamos nem entre os 30 maiores países exportadores de manufatura", disse. Ele também afirmou que o Brasil precisa buscar diálogo com os norte-americanos, em vez de se submeter a eles, como tem feito.

"Se o Trump for reeleito, não muda nada. Caso Biden seja eleito, temos a oportunidade de mudar nossa postura. Temos que mudar porque ele, pelo menos, é mais previsível que o Trump. Ele (Biden) critica a forma como o Brasil lida com os problemas ambientais, mas é uma crítica válida. Temos que buscar diálogo. Nos últimos anos, estamos mais aderindo aos EUA do que buscando nossos interesses", criticou.

Ivo Chermont, economista-chefe do Quantitas, concorda com a avaliação. Ele acredita que uma vitória de Biden poderá ser positiva para o Brasil a longo prazo, uma vez que o país seria pressionado a adotar medidas mais rígidas de preservação ambiental.

"Isso poderia até aumentar o interesse de global de investidores. Não vejo uma grande mudança de política econômica, a não ser essa pressão por melhor comportamento e preservação do meio ambiente", salientou.

A indústria brasileira vê com tranquilidade o resultado das eleições americanas, independentemente de qual seja, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em nota, a entidade ressalta que a indústria do Brasil tem bom histórico de relacionamento com candidatos tanto do Partido Republicano quanto do Democrata. "As duas economias têm alto grau de complementaridade e integração econômica, o que abre uma oportunidade para a negociação de uma agenda ambiciosa de acordos com esse país", diz a nota.

*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi