Valor econômico, v. 21, n. 5137, 27/11/2020. Política, p. A14

 

No Rio, quase metade das denúncias eleitorais envolvem milícia ou tráfico

Gabriel Vasconcelos

27/11/2020

 

 

Crime organizado foi citado em 421 das 900 acusações analisadas pela ONG Disque Denúncia

Perto da metade, ou 46,8%, das denúncias anônimas sobre crimes eleitorais no Rio de Janeiro citam a atuação direta de milícias de paramilitares ou facções do tráfico de drogas. Relatório exclusivo da ONG Disque Denúncia mostra que o crime organizado foi citado em 421 das 900 acusações analisadas pela organização esse ano, sendo 597 somente nos meses de outubro e novembro, durante a campanha. A organização presta serviços para a secretaria estadual de polícias, além de prefeituras e empresas.

O levantamento mostra que, em 25% dos casos (225), os crimes são atribuídos a milicianos. Já em 22% das ocorrências (196), há citação ao tráfico de drogas. Apesar dessa indicação de maior intrusão de paramiliatres no processo eleitoral, para coordenador-geral do Disque Denuncia, chama atenção o aumento de participação do tráfico de drogas na disputa pelos poderes executivo e legislativo. As facções do tráfico não têm a tradição política das milícias, movimento que pouco tempo depois de seu surgimento sob o atual formato, no início dos anos 2000, começou a se embrenhar na vida pública.

“O tráfico de drogas está aprendendo a disputar eleições. Pela primeira vez eles tiveram candidatos de fato, em geral parentes de traficantes ou figuras por eles apoiadas. Foi um movimento ainda tímido, sem grandes êxitos, mas que se fez presente”, diz Borges. Segundo o chefe do Disque Denúncia, sempre houve denúncias sobre a intrusão do tráfico de drogas no processo eleitoral, mas, até então, os criminosos se restringiam a negociar, exigindo dinheiro pela permissão a campanhas nos territórios sob seu domínio em detrimento de outras.

O movimento espelha a atuação dos milicianos, com forte presença na Zona Oeste da capital e em franca expansão pelos municípios da Baixada Fluminense, Costa verde e interior. Conforme noticiado pelo Valor esta semana, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) reforçou a segurança em São João de Meriti, um dos dez municípios da Baixada, após denúncias cruzadas dos dois candidatos que disputam o segundo turno sobre restrição da circulação de cabos eleitorais e constrangimento de eleitores tanto por parte de milicianos quanto traficantes do Comando Vermelho, que disputam territórios na cidade. No relatório do Disque Denúncia, São João de Meriti é a sétima cidade do estado com o maior número de denuncias sobre crimes eleitorais (49).

Os números da ONG mostram que Meriti não é caso isolado. O conjunto de municípios da Baixada concentram 30,2% de todas as denuncias anônimas (272), mais do que a capital, com 27,4% do total ou 247 acusações. Três deles - Nova Iguaçu, Belford Roxo e Duque de Caxias - estão entre as cinco cidades com o maior número de casos no estado.

O Disque Denúncia também desagregou os dados por tipo de crime denunciado. A maior parte deles, 32%, indicam compra de votos. Zeca Borges diz que, hoje, no Rio de Janeiro e, principalmente no interior, a prática é comum e cada voto e negociado entre R$ 50 e R$ 100. Em seguida, com 25% do total, surgem as ameaças ou denúncias de curral eleitoral. Em 6% dos casos, as acusações tratam de homicídios ou tentativas de homicídios com motivação política.