Correio braziliense, n. 20985, 06/11/2020. Política, p. 4

 

Elogio à independência de Kássio

Sarah Teófilo 

06/11/2020

 

 

O primeiro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) tomou posse, ontem, na Corte. Kassio Nunes Marques, ou Nunes Marques, como será chamado pelos colegas, ocupa, agora, a cadeira deixada por Celso de Mello, que se aposentou em 13 de outubro. A solenidade durou menos de 20 minutos, com poucas autoridades presentes ao plenário, e foi marcada por elogios do presidente do STF, Luiz Fux, que disse que o novo colega tem “independência olímpica” –– o que pode ser entendido como um recado para aqueles que acreditam que o novo ministro se pautará pelos interesses do Palácio do Planalto e não pelo que determina a Constituição.

“Em nome da Corte, gostaria de desejar boas-vindas a Vossa Excelência, o ministro Nunes Marques. Que Vossa Excelência seja muito protegida nesta sua nobre missão, tendo em vista que preenche todos os requisitos para assumir a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal. Vossa Excelência tem reputação ilibada, notório saber jurídico, tem conhecimento enciclopédico e, acima de tudo, independência olímpica”, salientou Fux.

A observação de que o presidente da Corte fez ao “notório saber jurídico” foi vista como uma defesa ao novo integrante do STF, questionado por imprecisões no currículo acadêmico e suspeita de plágio.

Na cerimônia, Marques foi conduzido ao plenário pelo integrante mais antigo e o mais recente da casa, como prevê a tradição. O agora decano Marco Aurélio Mello, no entanto, não compareceu por ser do grupo de risco, e foi substituído pelo segundo mais antigo, Gilmar Mendes –– o mais novo é Alexandre de Moraes. Em seguida, o magistrado prestou o compromisso de posse e foi declarado ministro por Fux.

A solenidade estava restrita a poucas autoridades, devido à pandemia do novo coronavírus. Entre os presentes estavam o presidente Jair Bolsonaro, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), o procurador-geral da República, Augusto Aras, os ministros Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Edson Fachin. Também participaram o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins.

As autoridades não falaram com a imprensa e apenas o presidente Fux se manifestou. “Foi um ato solene, simples, como costuma ocorrer por determinação do regimento, mas é um momento de muito agradecimento, porque a Corte se compõe por completo”, destacou.

Aprovação

Marques foi nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro em 22 de outubro. Antes da nomeação, ele passou por uma sabatina de quase 10 horas, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, onde foi aprovado por 22 votos a cinco. Em seguida, o plenário da Casa o aprovou para ministro do STF por 57 a 10.

O novo ministro é o único do Supremo de um estado do Nordeste. No total, atuou 15 anos como advogado e 12 como juiz. Sua experiência antes de entrar para a magistratura fez com que sua indicação recebesse apoio de defensores e entidades representativas.

A escolha de Nunes Marques por Bolsonaro causou surpresa, pois muitos jamais tinham ouvido falar nele. A intenção do ministro era trabalhar por uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Um dos padrinhos da indicação é o senador Ciro Nogueira (PP), integrante do Centrão e que também é do Piauí.

Bolsonaro e Kassio se encontraram pelo menos duas vezes, nos últimos meses, de maneira informal, fora do ambiente do Palácio do Planalto. O presidente admitiu que gostou muito da personalidade e simplicidade do desembargador, e a afinidade foi mútua. O novo ministro tem perfil, segundo ele mesmo, garantista, como deixou claro na sabatina no Senado.

Começo sem casos difíceis e polêmicos

Nunes Marques vai herdar um acervo de 1.668 ações e processos que tinham como relator o então decano Celso de Mello. No início, não será relator dos casos mais rumorosos. Por uma manobra do presidente Luiz Fux, a investigação sobre a interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, que estava com Celso de Mello, foi para Alexandre de Moraes. Não fosse isso, Nunes Marques seria responsável pelo destino do inquérito contra o homem que o indicou. No momento, apenas três inquéritos que estavam com o então decano passaram para o gabinete de Nunes Marques. Um deles envolve o deputado federal José Wilson Santiago (PTB-PB), e o outro mira João Carlos Bacelar (PL-BA). Há um terceiro caso sob segredo de Justiça.