Título: A Paixão do papa Francisco
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 30/03/2013, Mundo, p. 14

Em sua primeira sexta-feira santa, o pontífice orientou os fiéis a responderem ao mal com o bem e a aceitarem o peso da cruz

As celebrações oficiais da sexta-feira santa, dia em que cristãos relembram a morte de Jesus Cristo, foram marcadas por um clima de seriedade e de recolhimento. Na Basílica de São Pedro, onde a liturgia da Paixão de Cristo foi rezada, o papa Francisco entrou em procissão, deitou-se no chão, de frente para o altar e, em silêncio, orou em sinal de adoração e de penitência. À noite, o pontífice acompanhou a cerimônia da via-sacra, que reviveu o calvário de Jesus. Da colina, Francisco falou brevemente aos fiéis que se concentraram no Coliseu, o tradicional palco da celebração. Francisco destacou o amor de Deus e a escolha que, segundo ele, cabe a cada homem fazer. “Se eu aceito o amor, estou salvo, mas se o recuso, então estou condenado. Não por Deus, mas por mim mesmo, porque Ele não condena, apenas salva”, disse o papa.

Francisco orientou os católicos a responderem ao mal com o bem e a aceitar o peso da cruz, como fez Jesus Cristo. Em seu discurso, o papa disse que, por vezes, pode parecer que “Deus não reage ao mal, como se estivesse em silêncio”. No entanto, ele garantiu que a resposta divina é simples e já foi revelada. “A cruz é a palavra de Deus para lutar contra o mal”, afirmou. “A palavra é amor, piedade e perdão”, concluiu. Francisco também alertou os seguidores sobre a presença do mal, dizendo que ele “continua trabalhando em nós e a nossa volta”.

O pontífice fez questão de esclarecer que as meditações e as orações da via-sacra deste ano foram escritas por jovens libaneses e, mais uma vez, falou sobre a união e a amizade entre os povos. Em visita ao Líbano, em setembro do ano passado, o então papa, Bento XVI, encomendou a meditação ao patriarca da Igreja no país, Bechara Raifoi, que, por sua vez, estendeu a missão a jovens de sua congregação. “Vimos a beleza e a força da comunhão dos cristãos daquela terra e da amizade de tantos de nossos irmãos muçulmanos e de muitos outros”, declarou Francisco, referindo-se à viagem do antecessor.

A cruz que simbolizou o calvário na celebração foi carregada por fiéis de diferentes nacionalidades, incluindo dois brasileiros, escolhidos para destacar o comprometimento da Igreja com os jovens e como forma de lembrar a Jornada Mundial da Juventude, que neste ano ocorre no Rio de Janeiro, entre 23 e 28 de julho. Contrariando informações prévias do Vaticano de que percorreria a pé as 14 estações e até carregaria a cruz, Francisco assistiu de longe à performance.

Ao fim da cerimônia, por volta das 22h (18h em Brasília), o papa abençoou os fiéis e concluiu: “Continuamos na expectativa da ressurreição de Jesus, que nos ama, que é só amor”. Abaixando levemente a cabeça, Francisco ouviu gritos de “viva” vindos da plateia, que ainda comemora a eleição do jesuíta latino-americano.

Mais cedo, na Basílica de São Pedro, a liturgia da Paixão de Cristo também reuniu milhares de peregrinos e membros do alto clero. A homilia da missa, conforme manda a tradição, ficou por conta do pregador da Casa Pontifical, o frei capuchinho Raniero Cantalamessa. Reforçando as palavras do papa, que repetidas vezes pregou a simplicidade e a riqueza interior, Cantalamessa afirmou que é preciso ter coragem para retornar às origens e ultrapassar os obstáculos construídos ao longo dos anos, que impedem a disseminação do Evangelho pelo mundo.

O frei alertou para que a missão da Igreja não se torne algo como a tarefa do mensageiro do rei, contada pelo escritor Franz Kafka em Uma mensagem imperial. Cantalamessa comparou o dever cristão com a dificuldade do súdito, narrada por Kafka, em ultrapassar multidões e empecilhos para entregar a mensagem do rei. Ele destacou “os muros divisores, o excesso de burocracia, os restos de aparatos, leis e controvérsias passadas” como os obstáculos da Igreja atual. No fim da homilia, a cruz com Jesus crucificado foi levada até o pontífice, que se curvou três vezes, em sinal de respeito. Francisco retirou a estola vermelha que usou durante a cerimônia e beijou a imagem, colocando a mão sobre a testa de Jesus.

"Se eu aceito o amor, estou salvo, mas se o recuso, então estou condenado. Não por Deus, mas por mim mesmo, porque Ele não condena, apenas salva”

"A cruz é a palavra de Deus para lutar contra o mal

"A palavra é amor, piedade e perdão

Papa Francisco