Valor econômico, v. 21, n. 5137, 27/11/2020. Política, p. A20
Bolsonaro comunica que não vai depor em inquérito
Isadora Peron
Luísa Martins
27/11/2020
Presidente seria ouvido no inquérito que investiga se ele tentou intervir indevidamente na autonomia da Polícia Federal
O presidente Jair Bolsonaro informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que abre mão de prestar depoimento no inquérito que investiga se ele tentou intervir indevidamente na autonomia da Polícia Federal (STF).
A petição foi encaminhada ontem ao ministro Alexandre de Moraes, pela Advocacia-Geral da União (AGU). No documento, o órgão diz que o presidente Bolsonaro decidiu “declinar do meio de defesa que lhe foi oportunizado [sic] unicamente por meio presencial”.
A AGU também pede para que o caso seja encaminhado à PF para que o órgão elabore o relatório final da investigação e submeta o caso ao Ministério Público Federal (MPF) sem novas prorrogações de prazo. A oitiva do presidente era apontada como uma das últimas diligências para concluir a apuração.
O órgão diz ainda que a “publicização do inteiro teor de gravação da reunião ministerial de 22 de abril de 2020 demonstrou completamente infundadas quaisquer das ilações que deram ensejo ao presente inquérito, o mesmo valendo para todos os demais elementos probatórios coletados nos presentes autos”.
O inquérito foi aberto em abril, após Sergio Moro, que era ministro da Justiça e Segurança Pública, pedir demissão e acusar Bolsonaro de tentar interferir na PF para proteger familiares e amigos.
O relator original do inquérito era Celso de Mello, que se aposentou em outubro. Ele determinou, em agosto, que Bolsonaro deveria ser ouvido presencialmente. A AGU, no entanto, defendia que o presidente tinha a prerrogativa de prestar depoimento por escrito. O caso começou a ser analisado pelo plenário, mas o único a votar até agora foi Celso de Mello. Não há uma data para o julgamento ser retomado.
Em seu último voto como ministro da Corte, Celso defendeu, ao longo de duas horas, que, como Bolsonaro não era testemunha, e sim investigado, o depoimento não poderia ser por escrito. “Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir as leis e a Constituição do nosso país. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do estado brasileiro”, disse O inquérito que mira Bolsonaro foi redistribuído a Alexandre de Moraes no mês passado a pedido da defesa de Moro. Caso isso não acontecesse, o processo ficaria nas mãos do novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, que assumiu a vaga de Celso e foi a primeira indicação de Bolsonaro para a Suprema Corte.
Em nota, o advogado Rodrigo Sánchez Rios, que representa o ex-juiz da Lava-Jato, afirmou que recebeu com “surpresa” a manifestação de Bolsonaro e disse que o caso “demanda” explicações do presidente.
“A defesa do ex-ministro Sergio Moro recebe com surpresa o declínio do presidente da República de atender à determinação para depor em inquérito no qual é investigado. A negativa de prestar esclarecimentos, por escrito ou presencialmente, surge sem justificativa aparente e contrasta com os elementos reunidos pela investigação, que demandam explicação por parte do presidente da República.”