Título: Verba para empresa suspeita
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 08/04/2013, Política, p. 5

Primeiro-secretário da Casa paga R$ 325 mil por serviços de empresário denunciado à Justiça por uma série de fraudes

Espécie de “prefeito” da Câmara dos Deputados, o primeiro-secretário da Casa, Márcio Bittar (PSDB-AC), justificou despesas parlamentares com notas fiscais emitidas por empresário suspeito de envolvimento em esquema de desvio de recursos públicos. Entre fevereiro de 2011 e março de 2013, a Câmara pagou R$ 325 mil ao parlamentar a título de reembolso por serviços supostamente prestados pela Marca-Texto Produção e Arte. A empresa é de João Cardoso Farias, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) pela venda de notas frias em escândalo que envolveu a Editora e a Fundação Universidade de Brasília (FUB). Bittar apresentou o primeiro documento fiscal da Marca-Texto em fevereiro de 2011, quando tomou posse para o segundo mandato legislativo. Vinte e quatro notas da Marca-Texto foram usadas pelo deputado tucano para justificar despesas com divulgação da atividade parlamentar e gastos com consultorias, pesquisas e trabalhos técnicos. A primeira nota era de R$ 13 mil. A cifra baixou para R$ 12 mil e subiu, em agosto de 2011, para R$ 15 mil, valor da maioria das notas fiscais apresentadas.

Em 2011, o parlamentar só não usou notas fiscais da empresa de João Cardoso nos meses de março, abril e dezembro. Naquele ano, Bittar recebeu recursos da cota para exercício da atividade parlamentar na ordem de R$ 363 mil. Do total, 30% (R$ 109 mil) foram reembolsados pela Câmara mediante apresentação de notas fiscais da Marca-Texto. Em 2012, o percentual de despesas justificadas com documentos fiscais da empresa de João Cardoso Farias foi ainda maior: 46,7% (R$ 175 mil dos R$ 374,7 mil da cota parlamentar usada pelo deputado naquele ano). Em 2013, ano em que foi eleito primeiro-secretário da Casa, Bittar usou notas fiscais da Marca-Texto em janeiro, fevereiro e março, nos valores de R$ 6 mil, R$ 10 mil e R$ 15 mil.

O Correio pediu, via Lei de Acesso à Informação, cópias de notas fiscais usadas pelos deputados federais para serem ressarcidos pela Câmara. Até o momento, a Casa liberou apenas uma nota do deputado Márcio Bittar, emitida pela Marca-Texto em 10 de maio de 2012, no valor de R$ 15 mil. Na descrição, a empresa informou que prestou “serviços de elaboração de textos de pronunciamentos semanais para o pequeno expediente, textos para discursos no grande expediente, além de serviços de produção e envio de materiais para publicação, revisão de textos produzidos pelo parlamentar e manutenção do site”. Entretanto, o parlamentar não anexou documentos probatórios de que o serviço foi prestado.

O próprio ato da Mesa Diretora que criou a cota para exercício da atividade parlamentar, também chamada de “cotão”, não exige comprovação de que o serviço, de fato, foi realizado. Basta que o parlamentar assuma por escrito a responsabilidade pelas informações prestadas.

O dono da Marca-Texto, João Cardoso Farias, foi denunciado pelo menos quatro vezes pelo Ministério Público Federal, por envolvimento em esquemas de fraude à lei de licitações, desvio de dinheiro público, enriquecimento ilícito, falsificação de documentos e formação de quadrilha. Ele é réu em quatro processos que tramitam na Justiça Federal do Distrito Federal.

O empresário ainda não foi absolvido nem condenado em nenhum deles, mas a procuradora regional da República Raquel Branquinho Nascimento, que participou, entre 2009 e 2010, das investigações sobre o esquema fraudulento que envolveu a FUB e a Editora UnB, disse não ter dúvidas da participação de João Cardoso Farias. Conforme narrado nas denúncias do MPF, Raquel informou que, à época, foi constatado que a Marca-Texto era uma empresa de fachada. Não tinha site na internet e só abriu o escritório no SIA após o escândalo.

Notas frias Segundo o Ministério Público Federal, João Cardoso Farias participou do esquema com empresas ligadas a ele direta ou indiretamente, usadas para “emitir notas fiscais de serviços que não foram prestados, recebendo uma porcentagem por essa atividade ilícita”. O MPF é direto ao afirmar que as “empresas integrantes da fraude nada produziam”. Nos autos de um dos processos que tramitam na Justiça Federal, o MPF lista cinco empresas de João Cardoso Farias que “prestavam serviços criminosos para a quadrilha”. Entre elas, a Marca-Texto. Segundo Raquel Branquinho, João Cardoso chegou a confessar participação na fraude envolvendo a Editora UnB. Em depoimento ao qual o Correio teve acesso, o empresário conta que descontava 7,5% a 8% do valor da nota fria usada na fraude e entregava o restante do dinheiro a uma funcionária da editora. Depois, informou a procuradora, João Cardoso mudou de versão e negou envolvimento no esquema.

Sobre a suposta prestação de serviços ao deputado Márcio Bittar, João Cardoso Farias disse que foi formalmente contratado pelo parlamentar e que conta com uma equipe que elabora regularmente discursos e matérias de interesse do primeiro-secretário. Ele disse ter uma equipe de mais de 20 pessoas e que três delas trabalhariam diretamente nos serviços prestados a Bittar, mas, alegando não estar mais no escritório, disse não recordar os nomes dos funcionários. Sobre o caso da Editora UnB, João Cardoso disse acreditar que será inocentado nos processos que responde junto à Justiça Federal.

“A empresa contratada por mim presta os serviços de forma regular e satisfatória e, até onde sei, opera de forma legítima na sua área de atuação” Márcio Bittar (PSDB-AC), primeiro-secretário da Câmara