Título: Julgamento duas décadas após o massacre
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 08/04/2013, Brasil, p. 6

A partir de hoje, 26 PMs, de um total de 79 acusados, responderão pela ação para controlar um motim que deixou 111 mortos no presídio do Carandiru

Vinte anos e seis meses depois que 111 presos foram assassinados no episódio conhecido como massacre do Carandiru, em São Paulo, os policiais militares denunciados pela matança começarão a se sentar no banco dos réus. Começa hoje o julgamento de 26 PMs, acusados de matar 15 detentos no segundo pavimento do presídio (correspondente ao primeiro andar). Eles respondem por homicídio qualificado mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas. Em caráter excepcional, por se tratar de policiais denunciados, o juiz Augusto Nardy Marzagão decidiu convocar 50 pessoas, das quais sete serão integrantes do júri. Elas não poderão deixar o local até que seja dada a sentença, o que pode durar, pela previsão do Ministério Público paulista, ao menos uma semana.

O processo tem 79 PMs denunciados. Mas, devido à impossibilidade de julgar todos ao mesmo tempo, o Judiciário decidiu desmembrar o processo. E só marcará o julgamento do restante, em blocos de aproximadamente 25 réus, quando finalizar o atual júri. O Ministério Público trabalhará pelas penas máximas, que, no caso de homicídio, chegam a 30 anos. Um dos promotores do caso, Márcio Friggi, afirmou, na semana passada o que espera do julgamento histórico. “Nosso maior desafio será quebrar a ideologia do senso comum, e que, infelizmente, ainda existe na sociedade de que ‘bandido bom é bandido morto’”, disse o promotor.

Para agilizar os trabalhos, o juiz Marzagão definiu três horas de debates e duas para réplicas e tréplicas, devidamente acordado com acusação e defesa. Estarão em jogo as circunstâncias, mas também a vida pregressa tanto das vítimas quanto dos acusados. Uma estratégia da defesa será explorar, com os jurados, a condição de criminosos dos assassinados, enquanto a promotoria baterá na tecla da covardia usada e da violência policial. Dos 15 presos supostamente mortos pelos 26 PMs que serão julgados, apenas um foi golpeado com arma branca. O restante morreu alvejado por tiros de armas de fogo.

O início da rebelião que terminou nos 111 corpos empilhados e retratados em uma imagem que chocou o mundo é nebuloso. Alguns falam que a briga entre os detentos começou com uma disputa por um varal, outros defendem que a confusão teve relação com o controle da venda de drogas na cadeia. O fato é que, no início da tarde de 2 de outubro de 1992, o que poderia ser um entrevero comum no cotidiano da cadeia se transformou no pior massacre do país. Às 16h25, para conter a rebelião, a Polícia Militar entrou nas galerias do pavilhão. Vinte minutos depois, os 111 estavam mortos.

Maior presídio da América Latina, o Carandiru chegou a abrigar cerca de 8 mil homens em condições subumanas. Em 2002, foi implodido, dando lugar ao Parque da Juventude, um espaço de lazer para a comunidade paulistana. Pela participação no massacre, o Ministério Público de São Paulo denunciou 120 policiais. Mas 36 foram excluídos do processo, porque respondiam por lesão corporal, crime que já prescreveu. Ao menos cinco acusados morreram ao longo do processo — três deles estavam na lista dos 26 PMs que começam a ser julgados hoje no Fórum da Barra Funda, Zona Oeste da capital paulista. O massacre já foi retratado no livro de Dráuzio Varella e em um filme de Hector Babenco.

“Nosso maior desafio será quebrar a ideologia do senso comum, e que, infelizmente, ainda existe na sociedade de que ‘bandido bom é bandido morto’” Márcio Friggi, promotor

8 mil Detentos que o Carandiru chegou a abrigar