O Estado de São Paulo, n.46314, 06/08/2020. Política, p.A10

 

Governo faz mudanças em setor de Inteligência

Breno Pires

06/08/2020

 

 

Após críticas de Bolsonaro, Abin ganha nova estrutura e opositores são alvo de dossiê

Nomeação. Alexandre Ramagem, diretor da Abin, teve indicação para PF barrada pelo STF

Diante da insatisfação do presidente Jair Bolsonaro com o setor de Inteligência, o governo promoveu nos últimos meses alterações em órgãos da área com o objetivo de, em sua visão, torná-los mais efetivos. Além da mudança de foco da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), vinculada ao Ministério da Justiça, que passou a monitorar opositores, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teve a estrutura reformulada, com a criação de mais uma unidade, o Centro de Inteligência Nacional.

Segundo a Abin, a nova estrutura, criada por decreto, terá entre suas missões assessorar outros órgãos do governo no "enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade". Segundo o Estadão apurou, o Centro de Inteligência Nacional assumiu atribuições dos extintos Departamento de Inteligência Estratégica e Assessoria Executiva do Sistema Brasileiro de Inteligência.

O novo centro, porém, pode ter tarefas mais amplas. No departamento anterior havia a atribuição de processar dados "fornecidos pelos adidos civis brasileiros no exterior, representantes estrangeiros acreditados junto ao governo brasileiro e pelos serviços estrangeiros congêneres". Agora, a função passou a ser planejar, coordenar e implementar a "coleta estruturada de dados", sem a restrição aos temas antes listados. Questionada, a Abin não informou como e quais tipos de dados deve coletar para alimentar seu sistema de informações.

A unidade será a interface da Abin com os demais órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), incluindo o Ministério da Defesa, a Advocacia-geral da União (AGU) e a Polícia Federal. No decreto que reestrutura a Abin, foi também ampliado o número de cargos de confiança e retirado um trecho que limitava a servidores concursados a oferta de treinamento em Inteligência, na Escola de Inteligência da agência.

O objetivo das mudanças é "aumentar eficiência e eficácia da ação administrativa, com condições mais favoráveis para o desenvolvimento do órgão", de acordo com nota assinada pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e pela Secretaria-geral da Presidência. A pasta não respondeu quem será o responsável pelo novo centro, que ficará subordinado à Abin.

Atualmente, a agência é chefiada pelo delegado Alexandre Ramagem, que Bolsonaro tentou nomear como diretor-geral da PF, mas foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal.

Reclamação. O incômodo do presidente com a falta de informações foi exposto na polêmica reunião ministerial de 22 de abril. Na ocasião, Bolsonaro criticou auxiliares e disse manter um sistema "particular" de informantes. "Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho", afirmou.

Dois dias após o encontro, o então ministro da Justiça, Sérgio Moro, pediu demissão e acusou Bolsonaro de exigir acesso a informações sigilosas da PF. O vídeo da reunião foi tornado público pelo ministro do STF Celso de Mello, relator do inquérito que apura interferência do presidente na corporação.

Sob a gestão do novo diretorgeral, Rolando de Souza, a PF também teve a área de Inteligência alterada. O delegado Alexandre Isbarrola assumiu o posto por indicação de Souza, que é próximo a Ramagem. A atividade de Inteligência na PF é mais ligada a investigações em andamento do que à produção de conhecimentos estratégicos.

Questionado sobre o sistema "particular" de informação, Bolsonaro já afirmou em entrevista: "É um colega de vocês da imprensa que com certeza eu tenho, é um sargento no Batalhão de Operações Especiais no Rio, um capitão do Exército de um grupo de artilharia em Nioaque, um policial civil em Manaus. É um amigo que eu fiz em um determinado local faz anos, que liga pra mim e mantém contato pelo zap. Descubro muitas coisas, que lamentavelmente não descubro via Inteligência oficial, que é a PF, a Marinha, a Aeronáutica e a Abin".

Em outra entrevista na portaria do Alvorada, o presidente disse que soube, por meio de informantes no Rio, que algo estava "sendo armado" contra ele e sua família. Afirmou ter sido avisado com antecedência da possibilidade de busca e apreensão na casa de filhos dele e da "plantação" de provas contra a família, o que não ocorreu. Neste caso, atribuiu a ofensiva ao governador Wilson Witzel (PSC).

Monitoramento. Na Seopi, do Ministério da Justiça, as atividades de Inteligência viraram alvo do Ministério Público e do Supremo após a revelação da existência de um relatório contra 579 servidores públicos identificados como integrantes do "movimento antifascismo". O direcionamento político do órgão também virou alvo do Congresso, que deve ouvir amanhã o ministro da Justiça, André Mendonça, em uma sessão secreta. Como mostrou o Estadão, nove dos 14 cargos de chefia na Seopi foram alterados após Mendonça assumir o cargo de Moro.

Mendonça disse que não há orientação para investigar opositores do presidente e que tomou como providências a abertura de sindicância e a demissão do diretor de Inteligência da secretaria, Gilson Libório, nomeado pelo próprio ministro.

Relatório

579

servidores públicos identificados pelo governo como integrantes do 'movimento antifascismo' tiveram atividades monitoradas pela Secretaria de Operações Integradas, ligada à Justiça.

PONTOS-CHAVE

Órgãos da área passam por reformulação

• Sistema 'particular'

Na reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro reclamou dos sistemas de informação oficiais. "O meu, particular, funciona", afirmou o presidente.

• Reestruturação

Recentemente, a Abin ganhou o Centro de Inteligência Nacional, com atribuições mais amplas. E a área de Inteligência da PF passou por mudança na chefia.

• Ministério da Justiça

Vinculada à pasta de André Mendonça, a Secretaria de Operações Integradas mudou o foco de atuação e passou a monitorar opositores do governo.