O Estado de São Paulo, n.46314, 06/08/2020. Metrópole, p.A21

 

Pré-contato pode causar covid mais fraca

Marina Aragão

06/08/2020

 

 

Estudo de instituto americano relaciona sintomas mais leves a pessoas que tiveram exposição anterior a outros tipos de coronavírus

Sem euforia. Apesar dos resultados, pesquisadores dizem ser cedo para tirar conclusões

Pessoas que foram expostas a outros tipos de coronavírus, como aqueles que causam resfriados comuns, podem desenvolver sintomas menos graves da covid-19, aponta novo estudo feito por cientistas do Instituto de Imunologia de La Jolla, na Califórnia (EUA). A pesquisa, publicada ontem na revista Science, analisou amostras de sangue de alguns voluntários coletadas em 2019, quando o novo coronavírus ainda não estava circulando pelo mundo.

Apesar dos resultados, os pesquisadores ponderam que é cedo para dizer se a memória imunológica preexistente garante que as pessoas estejam totalmente protegidas contra a nova doença. De acordo com o estudo, células T que já memorizaram os coronavírus comuns também conseguiram atacar o Sars-cov-2, o vírus que causa a covid-19 – o que talvez explique por que a gravidade da doença varia entre pacientes com perfil e idade semelhantes.

O grupo identificou que o mecanismo de ataque existente em pessoas infectadas pelo Sars-cov-2 correspondia ao das que foram contaminadas por outros coronavírus de resfriado, especificamente os vírus OC43, 229E, NL63 e HKU1. Os especialistas explicam, ainda, que o tipo de resposta imune contra o patógeno não foi aquele com base na produção de anticorpos. O que ocorreu foi uma resposta do tipo celular em linfócitos T, uma classe específica de células do sistema que atacam outras células infectadas. "A reatividade imunológica pode se traduzir em diferentes graus de proteção. Ter uma resposta forte ou uma resposta melhor das células T pode dar a oportunidade de montar uma resposta muito mais rápida e forte", explicou o pesquisador Alessandro Sette, um dos autores do estudo.

A descoberta sugere que o combate a um coronavírus comum do resfriado – "os primos menos perigosos" – pode, de fato, ensinar as células T a reconhecer algumas partes do SarsCOV-2. O novo estudo baseiase em um trabalho anterior do mesmo instituto, que sugere que entre 20% e 50% das pessoas nunca expostas ao SarsCOV-2 tinham células T que reagiram ao vírus.

Aprofundando a pesquisa, os cientistas descobriram que, embora algumas células T cruzadas tenham como alvo a proteína da espícula do SarsCOV-2 (spike, em inglês), a região do vírus que se liga às células humanas, a memória imune preexistente também foi direcionada para outras proteínas do Sars-cov-2. Esse achado é relevante sobretudo na busca de uma vacina.