O Estado de São Paulo, n.46314, 06/08/2020. Economia, p.B2

 

Acredite se quiser, não virá mais imposto

Celso Ming

06/08/2020

 

 

Nunca como agora se formou neste país tanta convergência em torno da necessidade de uma profunda reforma tributária. Mesmo os governadores, até recentemente tão contrários, estão unidos nesse objetivo.

O problema é que, também nesse caso, cada cabeça é uma sentença. Os objetivos de cada segmento de opinião são divergentes.

Não dá para acreditar, por exemplo, que o governo federal se limite apenas a acabar com certas distorções do sistema e a unificar tributos – e não queira aumento de impostos e aumento da carga tributária, como vêm repetindo tanto o presidente Bolsonaro como o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Como mostram os cálculos de vários tributaristas de renome, no projeto de unificação do PIS e da Cofins, por exemplo, o aumento de arrecadação é pelo menos 20% superior ao que os dois tributos arrecadam hoje.

Durante ano e meio, o governo negou que aprontava a volta da CPMF e garantiu que pretendia taxar apenas o comércio eletrônico, e não o resto das movimentações financeiras. E, no entanto, agora admite que quer mesmo a taxação da movimentação financeira, com "uma alíquota baixa, de apenas 0,2%". Se é para ocupar o lugar da arrecadação feita por outros meios, como as contribuições das empresas à Previdência Social (em até 25% do total), e, além disso, obter recursos para o pagamento de renda mínima para a população carente, então essa alíquota "de apenas 0,2%" é também um engodo, a menos que cobrada nas duas pontas de cada movimentação financeira, tanto de quem paga quanto de quem recebe. Ou, então, como aconteceu outras vezes, a primeira picada será quase indolor para aumentar depois.

Se durante todo esse tempo o governo federal negou que estivesse preparando o que está propondo agora, como acreditar que não haverá aumento da carga tributária, mas apenas a substituição de impostos?

Se não fosse o que de fato é, a afirmação de que não haverá aumento da carga tributária poderia ser correta no atacado, mas não no varejo. E isso porque já se sabe de antemão que alguns segmentos da população serão forçosamente obrigados a recolher mais impostos. Os projetos hoje em discussão preveem maior taxação sobre o setor de serviços e sobre as compras liquidadas por via digital, novo imposto sobre dividendos e extinção de descontos das despesas médicas nos cálculos do Imposto de Renda. Se a CPMF voltar, com outro nome e outro discurso, mas com a mesma cara e os mesmos vícios, então até mesmo os mais pobres terão de pagar mais impostos, os que virão embutidos nos preços das mercadorias e serviços.

Afora isso, quando insiste na nova CPMF, o governo quer moleza. Esse é um imposto de arrecadação automática pelo sistema de informática dos bancos, não exige declaração prévia nem auditorias. Mas produz não só as distorções já conhecidas, mas, também, as novas, que derivam da prática de juros agora baixos ou quase negativos.

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CONFIRA

Selic a 2,0% ao ano

A decisão do Copom, mais uma queda dos juros básicos (Selic), de 0,25 ponto porcentual, para 2,0% ao ano, foi o que os analistas vinham antecipando. Com juros ainda mais baixos, mais recursos serão afugentados dos fundos de renda fixa, onde também pagam taxa de administração e Imposto de Renda. O comunicado do Copom não dá por encerrado o ciclo de queda de juros (afrouxamento monetário). Ou seja, pelo menos mais um corte pode acontecer em 16 de setembro, próxima reunião do conselho.