O Estado de São Paulo, n.46315, 07/08/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Deputados cobram mudança de gestão ambiental

Luisa Laval

07/08/2020

 

 

Em live do 'Estadão', parlamentares dizem que imagem do País 'é a pior possível' e veem fuga de investidores

Os deputados federais responsáveis por tocar a chamada "pauta verde" na Câmara criticaram a postura do governo em relação à proteção ao meio ambiente, o que estaria afetando a imagem do Brasil no exterior. O tema foi debatido ontem em live promovida pelo Estadão.

"A imagem que o Brasil está passando para fora é a pior possível", afirmou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). "O governo está sendo cada vez mais pressionado pela própria base e pelas empresas para mudar isso. Será um suicídio político e econômico se ele não apoiar (a mudança)."

O debate contou também com a participação dos deputados Enrico Misasi (PV-SP), Rodrigo Agostinho (PSB-SP), Zé Silva (Solidariedade-MG) e Zé Vitor (PL-MG). A pedido do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), o grupo tem a tarefa de selecionar projetos relacionados ao meio ambiente que tenham mais chances de serem aprovados no curto prazo na Casa.

A transmissão foi mediada pela colunista do Estadão Eliane Cantanhêde e pelo repórter André Borges, e contou ainda com a participação de leitores, que enviaram perguntas aos parlamentares.

Entre os problemas apontados pelos deputados, foi citada a falta de coordenação das ações do governo. "Há quase duas cabeças no governo, porque a responsabilidade ( das ações) deveria ser do Ministério do Meio Ambiente. Mas está havendo uma liderança pelo vice-presidente ( Hamilton Mourão) e pelos militares em outra toada. É preciso uma coordenação para que todo mundo reme para o mesmo lado", disse Misasi.

Agostinho chamou a atenção para o enfraquecimento da fiscalização e a falta de punição em casos de desmatamento. "Quando há punição, é muito fraco. O criminoso pode reverter a pena dele para entrega de cestas básicas, o que não gera impacto nenhum."

Já Zé Silva defendeu a integração entre órgãos relacionados à fiscalização ambiental e regularização fundiária. "É preciso uma ação de Estado. Não adianta uma ação separada do ICMBio, do Ibama e do Incra. Não dá para ter ações isoladas. Cada órgão tem sistemas de cadastro diferentes, o que dificulta o trabalho", afirmou ele.

Para o deputado Zé Vítor, a formação do grupo na Câmara possibilitará a articulação de diferentes setores para criar uma pauta para o desenvolvimento sustentável. "Sustentabilidade é sinônimo de produtividade. É uma oportunidade de mostrar o Brasil que produz bem, e conseguir uma legislação como as que já existem para o agronegócio: moderna e eficiente", disse ele.

Fuga de investidores. Molon afirmou que o governo será cada vez mais pressionado pela própria economia a mudar de conduta. Caso o contrário, investidores podem deixar o País. "Conversando com um empresário sobre inovação, ele diz que um grupo de acionistas da Bolsa de Nova York pretende vender as ações da empresa dele se o Brasil não mudar de postura em relação ao meio ambiente. Essa imagem do Brasil é insustentável a médio prazo para qualquer setor da economia", disse o deputado.

Agostinho também defendeu a necessidade de mudar a imagem do País para evitar perdas de mercado. "O mundo está em uma agenda climática, e o Brasil precisa entender isso. Enquanto o mundo está trabalhando com a perspectiva de plantar árvores para tirar carbono da atmosfera, a gente está derrubando. Precisamos de (política ambiental) de alto nível."

Para os deputados, a questão central dos problemas ambientais no Brasil não é a quantidade de recursos destinados ao combate ao desmatamento, mas a maneira como eles são administrados. "Nós temos o problema do teto de gastos: muito do que se quer fazer tem uma limitação por conta disso. Não adianta criar imposto ou arrecadar mais. Então, precisa rearranjar os gastos públicos para ter dinheiro para isso", disse Misasi.

Zé Vítor afirmou que é preciso estudar possíveis recursos para a preservação da Amazônia, mas que primeiro é necessário definir como isso será feito e como os órgãos vão lidar com a questão. "Acredito que essas ações descoordenadas têm prejudicado a gestão ambiental no País. Nós temos um grande ativo, que é a Amazônia: são mais de 40 milhões de hectares sem dono. Alguém precisa ser responsável por esse espaço, e estimular a fiscalização."

Para Zé Silva, no debate de possíveis incentivos fiscais para preservação ambiental é preciso pensar em modelos de negócios sustentáveis. "A Amazônia será muito mais rentável se nós a preservarmos. Quando se fala em possíveis incentivos fiscais, é preciso ter uma nova visão sobre a economia verde, na qual cuidar da floresta gera muito mais rentabilidade do que fazer uma lavoura."

Projetos em pauta. Entre a lista de projetos prioritários que o grupo da "pauta verde" quer tocar na Câmara, está o Projeto de Lei 3961/2020, de autoria de Molon, que cria a lei de emergência climática e neutralização de emissões. O projeto define uma meta para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa no Brasil até 2050; determina que o Executivo renove políticas sobre o assunto a cada cinco anos; e proíbe o bloqueio do orçamento destinado ao enfrentamento da crise climática e ao combate ao desmatamento.

Outra proposta, o PL 7578/2017, do deputado Zé Silva, estabelece regras para incentivar a emissão dos títulos verdes, os chamados "green bonds". O objetivo é que áreas preservadas sejam convertidas em títulos que possam ser comprados por empresas poluidoras, como forma de créditos para a preservação de florestas.

Já Agostinho e Zé Vítor apresentaram dois projetos semelhantes, que tratam da mudança de penas contra o desmatamento ilegal: o PL 3337/2019 e o PL 4689/2019. Eles estabelecem tipo penal para infrações mais graves, com reclusão que pode chegar a até sete anos, no caso da proposta de Agostinho.

Além disso, o grupo defende a aprovação do projeto que altera a lei da regularização fundiária na região da Amazônia Legal, o PL 2633/2020, do deputado Zé Silva, e da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, um tipo de autorização pública para instalar empreendimentos e realizar atividades econômicas.

"A gente tem uma gama muito grande (de projetos), mais de mil, mas estamos escolhendo os mais importantes e fazendo reuniões com diversos setores, como a indústria e o agronegócio, para discutir esses textos", afirmou Agostinho.

'Suicídio'

"Será um suicídio político e econômico se ele ( o governo federal) não apoiar ( uma mudança da pauta de meio ambiente)."

Alessandro Molon

DEPUTADO FEDERAL (PSB-RJ)