O Estado de São Paulo, n.46316, 08/08/2020. Política, p.A10

 

Ministro admite 'relatório' de opositores

08/08/2020

 

 

A parlamentares, André Mendonça afirma que procedimento é comum, cita gestões petistas, mas nega que pasta tenha produzido 'dossiês'

 

Em audiência fechada com parlamentares, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, admitiu ontem a existência de "relatório de inteligência" da pasta sobre 579 servidores públicos que, segundo o governo, integram grupos "antifascistas". O ministro foi ouvido em sessão virtual por integrantes da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional, que cobraram explicações após o portal UOL revelar que o governo estava monitorando opositores.

Um dia após afirmar ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a pasta não persegue adversários políticos do governo e não investiga ninguém, o ministro foi pressionado pelos parlamentares a dizer claramente qual documento o órgão elaborou e quem foram os alvos. Mesmo sem detalhar, Mendonça admitiu, segundo três pessoas presentes no encontro afirmaram ao Estadão, a existência de um relatório sobre opositores.

O ministro, porém, recusou o termo "dossiê", afirmando que essa expressão remete a algo ilegal. Ele disse que não há espionagem e não existe investigação conduzida pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi).

No encontro, Mendonça apresentou relatórios de gestões passadas para tentar convencer os parlamentares de que a pesquisa feita contra opositores do governo é procedimento comum e legal. Ele expôs trechos de documentos de inteligência relacionados a grandes eventos que ocorreram no País nos últimos anos, como a Copa de 2014 e Olimpíada de 2016. De acordo com os parlamentares, o ministro citou ainda documentos produzidos durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Um dos nomes citados no relatório da gestão da petista, relatado por Mendonça na reunião, foi o do atual deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do Movimento Brasil Livre (MBL), um dos principais opositores ao governo na época. "Utilizar a espionagem do governo petista contra mim para justificar os próprios atos é a pavimentação do caminho para um Estado totalitário. Quer dizer que se o PT utilizou o Estado para perseguir adversários políticos, Bolsonaro também pode?", disse Kataguiri ao Estadão.

A produção do "dossiê" contra os servidores está sob análise do Supremo. Em uma ação da Rede Sustentabilidade, a relatora Cármen Lúcia apontou gravidade nas informações descritas. "Estamos peticionando para que ela instaure inquérito investigativo sobre a conduta do senhor ministro da Justiça e do tal departamento (Seopi)", disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-ap), após a sessão de ontem.

A oposição também pressiona a CCAI para formalizar um pedido ao Ministério da Justiça e ter acesso ao relatório citado por Mendonça. Caberá ao presidente do colegiado, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), encaminhar o requerimento.

Além de Randolfe e Trad, participaram da reunião os senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Marcos do Val (Pode-es) e os deputados Claudio Cajado (PPBA), Carlos Zarattini (PT-SP), José Guimarães (PT-CE), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). A audiência durou três horas e meia. Em nota à imprensa após o encontro, o ministro disse que atua de maneira "técnica e republicana" e não admite "qualquer tipo de perseguição a quem quer que seja".

Recurso

A PGR recorreu ontem da decisão do relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, que derrubou a autorização para a cópia do banco de dados das forças-tarefa.