O globo, n. 31850, 19/10/2020. Sociedade, p. 12

 

Gato com covid é o 1° caso no Brasil

19/10/2020

 

 

Animal pegou doença dos donos, infectado em festa de família em Mato Grosso

 O primeiro animal de estimação com teste positivo para coronavírus SarsCoV-2 do Brasil foi descoberto em Cuiabá, Mato Grosso. É um gatinho de alguns meses. Ela não apresenta sintomas de Covid-19 e contraiu a doença de seus responsáveis ​​neste mês. A possível infecção de outro gato e um cachorro está em estudo. A gatinha foi testada positiva por PCR molecular, padrão ouro para coronavírus, pela pesquisadora Valéria Dutra, professora da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá.

O cientista alerta que as pessoas infectadas com coronavírus devem se manter isoladas de seus animais. O gato foi infectado pelo Sars-CoV - 2 porque teve contato com os donos durante o período de isolamento.

O caso dispara o alerta para o risco de pessoas transmitirem o coronavírus aos animais. Estamos investigando a possibilidade de que isso possa contaminar pessoas e outros animais. Isso aumentaria não apenas as formas de transmissão como também os reservatórios do vírus, embora, por enquanto, sejam apenas hipóteses, sem comprovação.

No Laboratório, na China, foi demonstrado que os gatos podem transmitir a doença a outros felinos. Mas não se sabe se eles podem se transmitir aos humanos e mesmo que o contágio entre gatos seja fácil, presume-se que não seja.

- Minha preocupação é que animais infectados carreguem o coronavírus para mais animais e pessoas. No caso do gato é ainda mais complexo do que no caso do cachorro, pois os gatos que moram em casas costumam sair de casa livremente - afirma Valeria Dutra.

Pouco se sabe sobre Covid-19 em animais de estimação e há menos de 20 casos de cães e gatos infectados comprovados em todo o mundo e relatados na literatura científica.

MAIS SUSCETÍVEIS QUE CAES

Os gatos, pelo que se viu até agora, são mais suscetíveis que os cães, explica Alexander Biondo, do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um dos poucos cientistas brasileiros a investigar o Covid-19 em animais de estimação.

Coordenador do maior estudo de coronavírus em cães e gatos do Brasil, Biondo também é um dos principais autores da mais completa revisão internacional sobre Sars-CoV - 2 em animais, aceita para publicação pela "Frontiers in Veterinary Science".

Dutra enviou na semana passada amostras retiradas do animal para análise diagnóstica do laboratório coordenado por Biondo e outro grupo de Belo Horizonte. Também serão realizados testes de anticorpos.

A descoberta também mostra o alto risco de festas e outras aglomerações para a transmissão da Covid-19. O gato pertence a um casal com um filho pequeno, todos infectados em uma festa familiar em setembro. Os pais adoeceram, mas a criança permanece assintomática, assim como o gatinho.

CADEIA DE CONTÁGIO

Uma única pessoa infectada com Sars-CoV-2 na festa infectou pelo menos seis outras, que adoeceram, diz Dutra. Essa pessoa, que também adoeceu, distribuiu lembrancinhas para os convidados e, sem saber, passou o coronavírus na frente.

A festa, onde a máscara foi usada na maior parte do tempo, gerou uma cadeia de contágio que inclui mais casos, porque as pessoas contaminadas ali, por sua vez, transmitiram o vírus a outras.

- Pessoas, todas pertencentes a um grande grupo familiar, relataram que só tiravam a máscara para comer e beber. Ainda assim, o vírus causou um dano enorme. As aglomerações são muito perigosas - enfatiza Dutra.

Além disso, um segundo gato e um cachorro, também de pessoas que foram à festa, deram positivo, mas como a carga viral é menor (menor concentração de vírus), seus casos permanecem inconclusivos, em estudo.

O animal foi identificado graças à persistência da pesquisadora. Dutra, apesar de ser veterinária, foi convocada para fazer exames no hospital da UFMT porque seu grupo tinha experiência em teste de PCR. Ela, no entanto, teve o cuidado de perguntar às pessoas com Covid-19 que compareceram se elas tinham animais domésticos e aceitaram que fossem testados. A família dos gatinhos tem uma carga viral elevada.

—Quanto maior a carga viral, maior o risco de transmissão - explica Dutra.

 ENTENDA O CORONAVIRUS NOS ANIMAIS DE ESTIMAÇAO

O que se sabe sobre Covid-19 em animais de estimação?

Ainda muito pouco, são raros os estudos. O primeiro caso é o de um lulu da Pomerânia, de Hong Kong, identificado em 26 de fevereiro, após sua dona contrair Covid-19. O animal tem 17 anos e várias comorbidades, mas permaneceu assintomático. Até julho, data da última revisão, havia cinco casos de cães e outros cinco de gatos, comprovados.

O risco de Covid-19 para os animais é elevado?

Com base nas poucas informações disponíveis, esse risco é considerado baixo e nos animais os sintomas são leves, quando existem.

E os pets podem passar o Sars-CoV-2 para seres humanos?

Não existem casos conhecidos.

O que se deve fazer para manter os pets seguros?

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) recomenda manter os gatos em casa sempre que possível e não permitir que eles saiam livremente à rua. Cães devem ser mantidos à distância de pelo menos dois metros uns dos outros e contato com pessoas estranhas deve ser limitado. Aglomerações devem ser evitadas tanto por pessoas quanto por animais.

O que devem fazer pessoas com o coronavírus?

Devem manter-se isoladas também de seus animais de estimação.

Existem testes para diagnóstico?

Sim, em algumas cidades. Mas o teste para Sars-CoV-2 não deve ser confundido com os realizados para outros coronavírus que afetam os pets: o coronavírus entérico canino e o coronavírus da peritonite infecciosa felina, que nada têm a ver com a Covid-19.

Animais devem usar máscara?

Não. O CDC não recomenda o uso de máscaras e alerta que elas podem causar danos a eles.