O Estado de São Paulo, n.46316, 08/08/2020. Metrópole, p.A20

 

País chega a 100 mil mortes por covid; como evitar uma tragédia ainda maior

Felipe Resk

Fabiana Cambricoli

08/08/2020

 

 

Para conter o avanço da doença, é preciso que as ações tenham como base um tripé, segundo afirmam os especialistas, conhecido por muitos: identificação e monitoramento precoce dos casos; etiqueta respiratória e cuidados pessoais; isolamento social ou até lockdown

 

Após menos de seis meses, o Brasil atingirá hoje a marca de 100 mil mortos por coronavírus. Se o País fizesse 1 minuto de silêncio em homenagem a cada vítima, teria de passar 70 dias calado. É o equivalente a caírem cinco aviões A320 lotados todos os dias, do primeiro óbito, em março, até hoje. Ou a capacidade de público de um estádio e meio do Morumbi.

Com novos casos se alastrando pelo interior, duas a cada três cidades brasileiras já perderam alguém para a covid-19. Para conter o avanço da doença, é preciso que as ações tenham como base um tripé, segundo os especialistas, já conhecido: identificação e monitoramento precoce dos casos; etiqueta respiratória e cuidados pessoais; isolamento social, ou até lockdown, principalmente nos locais com alta transmissão.

Enquanto não houver vacina ou remédio com eficácia comprovada, os cientistas alertam que a única saída é tentar reduzir a propagação do vírus. Coautor do livro Viroses Emergentes no Brasil, o médico infectologista da Unicamp Rodrigo Angerami demonstra que, em tese, a lógica é simples. "Diminuindo a taxa de transmissão, haverá menor número de casos, menor número de casos potencialmente graves e, consequentemente, menor número absoluto de novos óbitos."

Até o momento, o País atingiu o patamar de 3 milhões de casos confirmados. Para minimizar o contágio, o pesquisador cita a importância da proteção individual, como uso rotineiro de máscara e a higienização constante das mãos, além do distanciamento social. "É fundamental fortalecer as ações com informações corretas", afirma. "As medidas de prevenção servem não apenas para proteção individual, mas para interromper cadeias de transmissão comunitária." Segundo Angerami, o combate à pandemia também deve focar em baixar a letalidade da doença. Esse índice varia de acordo com o Estado, chegando a 4% em São Paulo e 8% no Rio. "Para isso, é imprescindível que todo paciente seja identificado e investigado laboratorialmente de modo precoce, seja avaliado e monitorado clinicamente e, se necessário, encaminhado para serviços hospitalares."

Plano federal. De acordo com os pesquisadores, os sistemas de saúde e vigilância do País já tinham capacidade e expertise para impedir o avanço desenfreado da pandemia, mas os embates políticos atrapalharam. Outro passo, agora, deve ser implementar um plano nacional de enfrentamento ao coronavírus para corrigir o que, na visão dos pesquisadores, seria a principal falha do Brasil até aqui: o vácuo de liderança no combate à pandemia.

"Começamos bem, iniciamos a quarentena no momento certo, antes de termos muitos casos, mas tivemos um presidente da República jogando contra os Estados", diz o professor de epidemiologia Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP. "Em determinado momento, os governadores se sentiram pressionados e iniciaram a reabertura. Se tivéssemos feito um lockdown sério, mesmo que fosse por um período curto, de 10 ou 15 dias, teríamos tido uma redução expressiva de casos", afirma.

Coordenador do núcleo de epidemiologia e vigilância em saúde da Fiocruz Brasília, o médico Claudio Maierovitch também avalia que a falta de coordenação na área federal atrapalhou. "Cinco meses depois, continuamos sem plano e sem liderança. Se tivéssemos isso, poderíamos ter bem definidas as medidas recomendáveis em cada estágio da pandemia, o que é importante se pensarmos que há situações diferentes de transmissão de acordo com a região do País."

Sem planos

"As medidas de prevenção servem não apenas para proteção individual, mas para interromper cadeias de transmissão comunitária."

Rodrigo Angerami

INFECTOLOGISTA DA UNICAMP

TRAGÉDIAS

Pandemia da covid-19 matou em três meses mais do que 17 catástrofes recentes do País

COVID-19 NO  BRASIL

100 mil mortos

 Deslizamento de terra região serrana do Rio 2011) -  917 MORTOS 

Incêndio no Gran Circus Norte-americano (1961) -  503 
Enchente e deslizamentos em Caraguatatuba (1967)  - 436 
Rompimento barragem em Brumadinho (2019) - 259
Incêndio na Boate kiss (2013) -  242
Acidente avião da Tam, em Congonhas (2007) - 199 
Incêndio no Edifício Joelma (1974) - 187

Queda avião da Gol, Serra do Cachimbo (2006 ) - 154

Enchente em Santa Catarina (2008) - 135

Massacre do Carandiru (1992) -  111

Acidente Fokker 100 da Tam, em Congonhas (1996) -  99 

Incêndio na Vila Socó, em Cubatão (1984) -  93

Queda avião da Chapecoense (2016) - 71

Naufrágio do Bateau Marche (RJ) (1988) - 55

Explosão no Osasco Plaza Shopping  (1996) - 42

Rompimento de barragem em Mariana (2015) - 18

Incêndio no Edifício Andraus (1972) - 18