O globo, n. 31851, 20/10/2020. Economia, p. 29

 

Brasil e EUA fecham acordos

Eliane Oliveira

Henrique Gomes Batista

Victor Farias

20/10/2020

 

 

Americanos, porém, buscam manter China fora do leilão de 5G

Após um ano de negociações e a duas semanas das eleições americanas, Brasil e Estados Unidos assinaram ontem três acordos para melhorar o intercâmbio bilateral de bens e serviços: facilitação de comércio, boas práticas regulatórias e anticorrupção.

A assinatura dos atos, antecipada pelo GLOBO, consolida a base para um acordo comercial mais amplo, segundo o governo, ainda que especialistas ressaltem ser um processo demorado.

Esses acordos também serão usados pelo presidente Jair Bolsonaro como argumento para atrair investidores estrangeiros. Paralelamente, está em pauta o leilão de 5G, pois os EUA são contra a participação dos chineses.

Pela manhã, no evento virtual que reuniu autoridades e empresários brasileiros e americanos, Bolsonaro convidou os investidores dos EUA a “conhecerem melhor as oportunidades que o Brasil oferece em matéria de concessões e privatizações”:

— Esse pacote triplo será capaz de reduzir burocracias e trazer ainda mais crescimento ao nosso comércio bilateral, com efeitos benéficos também para o fluxo de investimentos — disse, afirmando ainda que o Brasil deve seguir com a “ambiciosa agenda de reformas” e que o “próximo passo” é a administrativa.

“Pretende-se que o pacote forme a base de um amplo acordo comercial a ser futuramente negociado”, afirmaram em nota os ministérios de Economia e Relações Exteriores.

Também em nota conjunta, os governos dos dois países afirmam que o pacote estabelece bases para futuras discussões. “Os dois países buscarão identificar setores prioritários para reduções adicionais de barreiras ao comércio sob perspectiva mais ampla afeta ao relacionamento econômico e comercial bilateral.”

Paralelamente, os governos dos dois países conversam sobre um tema delicado: o leilão da frequência 5G. Os EUA não querem que a chinesa Huawei forneça equipamentos para essa nova tecnologia, sob o argumento de que a China não é um fornecedor confiável e pode ter acesso a informações estratégicas.

Apesar da pressão, fontes envolvidas no tema afirmam que discriminar, ou excluir, um concorrente de um leilão, sem uma razão concreta, pode comprometer a imagem externa do Brasil.

Em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o conselheiro de Segurança dos EUA, Robert C. O’Brien, falou da tecnologia 5G e demonstrou preocupação com o avanço da China nessa área:

— Estamos recomendando fortemente que nossos parceiros fechem acordos com fornecedores confiáveis. Temos uma longa história de cooperação com o Brasil nas áreas de segurança e defesa e podemos aperfeiçoar ainda mais essa parceria.

Ele também manifestou otimismo de que Brasil e EUA possam, no futuro, fechar um acordo de livre comércio.

Nenhum dos acordos garantirá o maior acesso de produtos brasileiros no mercado americano, ou vice-versa, mas reduzirão o tempo e a burocracia das operações de comércio exterior, o que poderá atrair mais negócios e investimentos. Para o Brasil, a expectativa é que os custos comerciais fiquem até 15% menores.

Os governos não poderão mudar regras repentinamente. Terão de abrir consultas públicas e fazer estudos sobre impactos das alterações no comércio exterior. E haverá normas mais rígidas para evitar corrupção, como subornos a servidores públicos que trabalham nas aduanas.

Sem competitividade

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), classifica o acordo como “uma boa semente”. Mas ele não acredita que vá incrementar o volume de transações entre os dois países:

— Pode ser o primeiro passo para o anúncio de uma discussão de um acordo de livre comércio de fato, mas isso tende a demorar muito. Se houver uma queda de barreiras tarifárias agora, teríamos muitos problemas. Nossos produtos industriais não têm competitividade para entrar nos EUA, mas os americanos poderiam invadir o mercado brasileiro.

Sobre uma possível motivação política para o momento do acordo, já que Donald Trump tenta a reeleição, Castro diz que isso não pode ser descartado. Mas ressalta que, como é restrito, seu impacto eleitoral tende a ser nulo.

Juliana Inhasz, professora do Insper, também não vê chances de o acordo gerar um incremento do comércio bilateral. Mas vê um possível ganho na imagem do país, o que pode ajudar na atração de investimentos.

Mas a expectativa de negociar um acordo de livre comércio é mais política que técnica, pois tal negociação demandaria a participação dos sócios do Mercosul. Atualmente, o comércio com mercados fora do bloco é feito por meio da Tarifa Externa Comum (TEC).

Saiba mais sobre o que foi acordado

Facilitação de comércio

O objetivo é reduzir procedimentos burocráticos, administrativos e aduaneiros, nas operações de exportação, importação e trânsito de mercadorias.

Entre os compromissos, estão o uso de tecnologias no processamento de exportações e importações, para reduzir tempos e custos das operações, como documentos e pagamentos eletrônicos, automação na gestão de riscos e inteligência artificial.

Boas Práticas Regulatórias

Uso de  processos, sistemas, ferramentas e métodos reconhecidos internacionalmente para a melhoria da qualidade da regulação, ou seja, da intervenção do Estado na atividade econômica. Estima-se que a ineficiência regulatória gere um custo aproximado de R$200 bilhões anuais para a sociedade brasileira.

Anticorrupção

O texto reforça o compromisso conjunto para o combate à corrupção, mediante a recuperação de ativos. Para os governos dos dois países, o eixo central das cadeias criminosas são seus fluxos financeiros.