O Estado de São Paulo, n.46317, 09/08/2020. Notas e Informações, p.A3

 

A Câmara e a 'pauta verde'

09/08/2020

 

 

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou um relatório no dia 7 passado que revelou um aumento de 34,5% nos alertas de desmatamento da Floresta Amazônica entre agosto de 2019 e julho do corrente ano. De acordo com os dados do sistema Deter, foram desmatados no período 9.205 km² de floresta, ante 6.844 km² registrados nos 12 meses anteriores. Trata-se de mais um recorde para a coleção do governo de Jair Bolsonaro, um governo marcado pela política de descaso com as questões ambientais: foi o maior crescimento dos focos de destruição da floresta dos últimos cinco anos.

No vácuo do protagonismo do Poder Executivo na condução da chamada agenda ambiental – as medidas adotadas pelo vice-presidente Hamilton Mourão no âmbito do Conselho Nacional da Amazônia Legal, que ele preside, ainda não amadureceram o suficiente para produzir resultados –, a Câmara dos Deputados resolveu avançar com projetos que tratam da preservação do meio ambiente e, dessa forma, fazer um contraponto ao presidente Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. É bom que seja assim, mas o ideal para a proteção da diversidade de nossos biomas e para a boa imagem do Brasil no exterior, como corolário, seria a cooperação entre os Poderes em prol da comunhão entre o crescimento econômico e a preservação ambiental.

A pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), cinco deputados estão responsáveis por dar andamento à chamada "pauta verde" na Casa. São eles: Alessandro Molon (Rede-RJ), Enrico Misasi (PV-SP), Rodrigo Agostinho (PSB-SP), Zé Vitor (PL-MG) e Zé Silva (Solidariedade-MG). Os cinco participaram de uma live promovida pelo Estado, mediada pela colunista Eliane Cantanhêde e pelo repórter André Borges. Os leitores do jornal participaram enviando perguntas aos parlamentares.

O deputado Alessandro Molon alertou para o erro que o governo comete ao fazer uma distinção entre a pauta ambiental e as políticas voltadas para a promoção do crescimento econômico, que não são antagônicas no mundo moderno, mas sim complementares. "O governo está sendo cada vez mais pressionado por sua própria base e pelas empresas para mudar isso ( a má condução da política ambiental). Será um suicídio político e econômico se ele ( o presidente Bolsonaro) não apoiar a mudança", disse Molon.

Outro grande problema que foi abordado pelos deputados é a evidente disparidade entre a assim chamada "gestão" de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente e o papel que tem sido exercido pelo vice-presidente Hamilton Mourão na chefia do Conselho da Amazônia. Com razão, o deputado Enrico Misasi apontou que "há duas cabeças" que não se entendem na condução da agenda ambiental. De fato, é muito difícil entender o que Salles faz à frente da pasta, implementando a sua gestão "por baciada" e como isso se coaduna com as medidas que Mourão anunciou há poucos dias. São medidas acertadas, como o fortalecimento dos órgãos de controle ambiental, como Ibama, Incra, Inpe e Funai, órgãos que Salles tem se posto a desmantelar. "Quando não há fiscalização e punição, é muito fraco ( o controle do desmatamento), disse o deputado Rodrigo Agostinho.

O deputado Zé Silva defendeu que esses órgãos estejam integrados e compatibilizem a fiscalização ambiental e a regularização fundiária. É pauta extremamente importante, pois, de fato, uma coisa está muito relacionada à outra. "É preciso uma ação de Estado. Não pode haver ação do Ibama, do Incra, do ICMBio de forma isolada", afirmou o parlamentar.

O deputado Zé Vitor destacou a importância da formação do grupo parlamentar e sua articulação com diferentes setores para avançar com os projetos relacionados ao desenvolvimento sustentável. "Sustentabilidade é sinônimo de produtividade", disse.

Por décadas, o Brasil exerceu posição de liderança nos fóruns internacionais sobre o meio ambiente. Essa história de ação e credibilidade tem de ser resgatada.