Título: Libertação, simples assim
Autor: Leon, Diego Ponce de
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2013, Diversão&arte, p. 1

Há perigo na esquina. Anunciava o poeta Belchior num tempo em que o "sinal estava fechado" para a democracia brasileira. Não havia escolha. Os artistas brasileiros deram os braços, formaram uma corrente humana e foram às ruas clamar pelo fim da censura implacável que recaía sobre o país. Pode-se contar, com orgulho, a história da resistência brasileira ao conservadorismo e ao domínio golpista da direita a partir da posição de vanguarda dos artistas nacionais. É imprescindível lembrar que, quando o chumbo ficou grosso, com prisões, exílio, tortura e morte, e todos pareciam estar acuados, eis que o teatro e a música caíram no desbunde, passando uma rasteira no pilar repressor da TFP (Tradição Família e Propriedade).

Eram os anos 1970 e a androginia comandou o baile da libertação. Homens peludos e de barba borravam a masculinidade com requebros e maquiagem. Os Secos & Molhados, com Ney Matogrosso à frente, e os Dzi Croquetes puxavam o tapete dos generais e anunciavam que o século 21 se aproximava. Era o estopim para o nascimento do movimento do teatro besteirol, no qual atores assumiam papéis femininos e a cultura gay saía do gueto. Sem pegar em armas, os artistas, com extrema inteligência, desarticularam a atmosfera tenebrosa da ditadura.

Agora, em novo tempo de perigo na esquina, expor a vida pessoal dessa forma como fez Daniela Mercury não deixa de ser um ato de coragem. As fotos íntimas postadas pela rede social da cantora trazem em si uma bravura. Quem pode atentar contra o direito de amar e de ser feliz? Em nome de que deus se pode definir o estado de direito de duas pessoas que se unem pelo afeto? Em sua sensibilidade de artista, Daniela Mercury lança-se à frente desse tanque de guerra, que se tornou a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, como aquele rapaz que comoveu o mundo no protesto chinês da Praça Celestial. É um político ato de afeto.