O Estado de São Paulo, n.46319, 11/08/2020. Internacional, p.A7

 

Premiê do Líbano renuncia em meio à crise causada pelas explosões de Beirute

11/08/2020

 

 

Crise. Situação de Hassan Diab ficou insustentável após protestos violentos do fim de semana e da demissão de vários ministros; líderes dos partidos no Parlamento devem negociar com o presidente Michel Aoun a escolha de novo premiê, processo que pode levar meses

O governo do Líbano não resistiu à catastrófica explosão na região portuária de Beirute. Uma semana após a tragédia, que matou 200 pessoas, deixou 6 mil feridos e 300 mil desabrigados, o premiê, Hassan Diab, renunciou ontem, após a pressão das ruas provocar a demissão de um terço de seu gabinete.

Em discurso na TV, Diab se colocou ao lado da população e culpou a "corrupção" pelo desastre institucional do Líbano. "Só Deus sabe quantas catástrofes eles estão escondendo", afirmou , em uma aparente referência à elite política do país. "A corrupção está enraizada em todas as partes do Estado. Descobri que a corrupção é maior do que o Estado."

Ontem, cenas de guerra novamente tomaram conta do centro de Beirute – repetindo os confrontos do fim de semana. Antes do anúncio de Diab, manifestantes tentaram invadir o Parlamento. Usando máscaras e óculos de proteção, eles escalaram barricadas e atiraram pedras na tropa de choque, que disparou bombas de gás lacrimogêneo.

A renúncia e o discurso moralista do premiê não devem provocar nenhuma mudança imediata na política libanesa, já que os atuais ministros – incluindo aqueles que renunciaram – devem assumir de maneira interina a missão de formar um novo governo.

Agora, os líderes dos partidos devem negociar com o presidente libanês, Michel Aoun, a escolha de um novo premiê, um processo que pode levar meses. Enquanto isso, Diab permanece provisoriamente no cargo, enfraquecido e com funções limitadas, o que tende a agravar a crise.

"A renúncia não é suficiente", disse Ahmed al-mohamed, de 27 anos, que levava um pedaço de pano coberto de sangue na cabeça. "Temos de derrubar o presidente e o chefe do Parlamento. É questão de dias."

A situação de Diab ficou insustentável após os protestos do fim de semana. Para muitos libaneses, a explosão foi a gota d'água em uma crise prolongada que envolve o colapso da economia, corrupção e um governo disfuncional. Diante da fúria popular, os ministros Ghazi Wazni, das Finanças, e Marie-claude Najm, da Justiça, se demitiram ontem. No domingo, o governo já havia perdido a ministra da Informação, Manal Abdel Samad, e o ministro do Meio Ambiente, Damianos Kattar. Nove deputados também renunciaram. No entanto, os números – 4 de 20 ministros e 9 de 128 parlamentares – são insuficientes para a convocação de novas eleições.

A negociação para uma nova coalizão deve ser liderada pelo ex-premiê Saad Hariri, antecessor de Diab, que se demitiu em outubro. Um segundo nome forte é o do ex-diplomata Nawaf Salam. Os protestos já são os maiores no Líbano desde outubro. Os manifestantes acusam a elite política de desviar recursos públicos e pedem "vingança". Efígies de líderes, incluindo a de Aoun e a de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, foram penduradas em forcas durante as manifestações. / AFP e REUTERS

PARA ENTENDER

Poder político compartilhado

O Líbano não tem um governante forte, mas vários líderes e partidos que representam os grupos sectários e compartilham o poder. Os cargos são distribuídos por cotas entre 18 religiões, e o Parlamento é meio cristão e meio muçulmano. O premiê deve ser sempre um sunita, o presidente, um cristão maronita e o chefe do Parlamento, um xiita. O presidente é indicado pela Assembleia Nacional, que também decide o nome do premiê, após negociações.