Título: Legenda ameaça repetir tucanos
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 11/02/2005, País, p. A3
O PT precisa casar o projeto de poder do partido com a missão econômica e social que motivou a sua fundação, há 25 anos. Caso contrário, deixará o comando do país mais cedo do que imagina, como aconteceu com seu principal rival, o PSDB, que tinha planos de permanecer pelo menos 20 anos à frente da Presidência da República, conforme o ex-ministro tucano Sérgio Motta. A avaliação é do cientista político David Flescher, da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo ele, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva privilegiou, nos dois primeiros anos de mandato, em detrimento de bandeiras históricas, um forte programa de ajuste fiscal, cujo carro-chefe é a meta de superávit primário - a economia realizada pelo setor público para pagar juros da dívida (4,25% do PIB). O percentual consta em acordo fechado com o FMI.
Ano passado, União, estados, municípios e estatais registraram superávit primário de R$ 81,1 bilhões, R$ 9,6 bilhões acima da meta estabelecida com a FMI. Um aperto excessivo, como costuma dizer o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), que defende a atuação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, mas acha que ele, médico de formação, exagera na dose.
- O Plano B era inevitável. Já há condições parciais para o PT implantar o que pregava nos anos de oposição - disse Flescher, defensor de um aumento dos investimentos públicos na reforma agrária, que nem sequer atinge as metas estabelecidas pelo próprio governo, e na geração de empregos para jovens.
Esquerdistas históricos não demonstram a mesma paciência do cientista político. Eleito pelo PT em 2002, o deputado Fernando Gabeira (sem partido-RJ) deixou a legenda dizendo ter sonhado ''o sonho errado''. Outros 112 militantes anunciaram o desligamento do partido durante o Fórum Social Mundial realizado mês passado em Porto Alegre, devido ao abismo entre o discurso histórico e as decisões do governo, que estariam em conformidade com o receituário neoliberal.
- A política econômica é uma tragédia, uma catástrofe. Se permanecesse a equipe de Fernando Henrique, com essa conjuntura favorável, o resultado seria muito melhor. Não há núcleo de formulação estratégica econômica dentro do governo Lula - afirmou o economista Reinaldo Gonçalves, professor titular da UFRJ.
Um dos principais formuladores do programa econômico do PT, Gonçalves também deixou o partido. Para o até ontem líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), o problema maior do PT é realizar pouco no governo, apesar de ter prometido muito nos anos de oposição:
- Ou eles estavam errados no passado ou estão agora.
Um dos passatempos prediletos da oposição é citar mudanças de posição na trajetória do partido. Caso da relação com o FMI, hoje aliado e ontem inimigo preferencial, e da cobrança de contribuição previdenciária de aposentados. Contrário à medida na gestão tucana, o PT patrocinou sua aprovação em 2003.
- Eu daria ao PT um livro de administração de Peter Drucker (guru da gestão empresarial) - disse o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia (PFL), ecoando cantilena segundo a qual o governo federal também é ineficiente na gerência de seus programas.