Correio braziliense, n. 20991, 13/11/2020. Cidades, p. 15

 

À espera da vacina

Mariana Machado 

13/11/2020

 

 

Já são nove meses desde a chegada do novo coronavírus no Distrito Federal. O mundo vive no aguardo da vacina que, enfim, trará tranquilidade para retomar ações simples, como reunir grandes grupos de amigos em uma festa. No DF, três vacinas estão em estudo: a chinesa CoronaVac, coordenada pelo Instituto Butantan e pela Universidade de Brasília (UnB); a belga desenvolvida pela Janssen-Cilag, do grupo Johnson & Johnson; e a russa Sputinik V, coordenada pelo Grupo União Química (veja Andamento). Cerca de 1,5 mil pessoas foram selecionadas para testagem dos fármacos que estão na fase três, e mais 152 voluntários são aguardados para a seleção da UnB. O número será ainda maior quando a vacina russa estiver em nível de experimentação em humanos.

O médico Gabriel Ravazzi, 31 anos, foi o primeiro voluntário a receber a dose da CoronaVac, no início de agosto. Embora trabalhe na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Universitário de Brasília (HUB), onde tem contato direto com pacientes de covid-19, não foi infectado pelo vírus. Logo que soube da possibilidade de ser voluntário, decidiu participar. "Nunca imaginei que faria parte de uma pesquisa para teste de uma vacina de uma doença que tem causado tantos problemas para a população a nível mundial. Tem sido uma grande oportunidade", destaca.

Ele afirma que não sentiu efeitos colaterais. "Apenas uma dor no local da aplicação, o que é comum a qualquer vacina." Gabriel tem feito acompanhamento frequente para coleta de novos exames e avaliação médica. Desde agosto, foram seis visitas. "A ciência é a luz que a gente tem, principalmente, na medicina moderna, baseada em evidências", defende.

Retomada
A primeira a anunciar os testes, restritos aos profissionais da saúde, foi a CoronaVac, produzida pela empresa biofarmacêutica chinesa Sinovac Life Science. Os estudos clínicos estavam suspensos desde segunda-feira, após a morte de um voluntário, mas foram retomados, ontem, depois da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em nota oficial, o órgão informou que adotou a medida diante dos dados apresentados inicialmente, levando em conta o princípio da precaução, "que prevê prudência e cautela decisória quando o conhecimento científico não é capaz de afastar a possibilidade de dano."

Após avaliar os dados, "a Anvisa entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação e segue acompanhando a investigação do desfecho do caso", afirma o texto. Ainda de acordo com o órgão, a suspensão não significa, necessariamente, que o produto sob investigação não tenha qualidade, segurança ou eficácia, mas que é um evento corriqueiro em pesquisas clínicas.

De acordo com o Instituto Butantan, a meta é vacinar 13 mil voluntários no Brasil. Até o momento, 10 mil se inscreveram e estão participando do estudo que ocorre em sete estados e no Distrito Federal. No DF, deverão ser vacinadas 852 pessoas. Atualmente, 700 profissionais da saúde foram selecionados para participar dos testes, iniciados em 5 de agosto. Não há previsão para quando o estudo será concluído.

Os voluntários recebem duas doses da vacina em um intervalo de 14 dias. Metade dos selecionados toma um placebo, isto é, aplicação sem efeito farmacológico. A proposta é fazer uma comparação entre os dois grupos. O investimento é de US$ 90 milhões, e o contrato formaliza a transferência de tecnologia para produção da vacina pelo Butantan. Até dezembro, a farmacêutica vai enviar 6 milhões de doses da vacina pronta e outras 40 milhões serão formuladas e envasadas em São Paulo. Coordenador da pesquisa no DF, Gustavo Romero afirmou que o estudo corre normalmente, ainda incluindo participantes (Veja Como se candidatar).

Todos os voluntários são acompanhados pela equipe que coordena o estudo. Logo após a primeira dose, eles recebem um diário onde devem anotar se tiverem efeitos colaterais e a aferição da temperatura por 45 dias. "O HUB mantém um canal de mensagens sempre aberto aos voluntários, questionando se estão apresentando algum sintoma ou não e, caso apresentem, oferecem suporte e apoio", explica o cirurgião-geral e um dos voluntários Leandro Martins, 29 anos.

Depois de tomar as duas doses, ele afirma que não sentiu nenhum efeito adverso. "Aproximadamente 20 dias após a segunda dose, realizei a sorologia, que confirmou títulos elevados de anticorpos. Creio que, por nunca ter apresentado qualquer sintoma e nunca ter positivado um PCR (teste de detecção do vírus), tal resultado possa ser atribuído à vacinação", avalia. "Agora, resta saber se a imunidade é sustentada, por quanto tempo e se há efeitos colaterais tardios", completa.

A esperança de ajudar a salvar vidas é o que motiva o médico veterinário Bryan Amorim, 26. Voluntário da vacina chinesa, ele tem plena confiança na eficácia do fármaco. "A ciência é a solução. Enquanto as unidades de pesquisa estão sofrendo duros cortes, muitos pesquisadores, como eu, estão se voluntariando e trabalhando para um bem social. Eu espero que em breve possamos deixar o novo normal pra trás e voltarmos a nos abraçar e compartilhar afeto", ressalta. Ele foi selecionado em setembro e também não teve reações ao medicamento.

Início
Ontem, o Instituto de Pesquisas Clínicas L2IP deu início à aplicação das doses da vacina Johnson & Johnson em voluntários, que não necessariamente são profissionais da saúde. Médico responsável pelos testes e diretor do instituto, Eduardo Freire Vasconcellos garante que está tudo correndo bem. "Na semana passada, os pacientes foram avaliados clinicamente para sabermos se entrariam nos critérios de inclusão do estudo", detalha o médico. "Nesta semana, agendamos as visitas de randomização, na qual eles fazem exames de sorologia, saliva, e swab nasal. Tendo resultados negativos para a doença, eles são vacinados", explica Freire.

Aproximadamente 7 mil pessoas se inscreveram para participar, das quais 800 foram selecionadas e receberão as doses nas próximas 12 semanas. Houve uma divisão por grupos etários: jovens e saudáveis (separados entre aqueles de 18 a 39 anos, e aqueles de 40 a 59 anos); jovens com doenças crônicas, pacientes idosos, e idosos com comorbidades. "A ideia é ser o mais eclético e representativo possível, para gerar informações na análise dos dados", adianta o médico.

Assim como na vacina chinesa, esta é aplicada no método duplo-cego, em que metade dos voluntários recebe o fármaco, e metade recebe um placebo. Nem os pacientes nem os aplicadores sabem quem recebeu qual produto. A previsão de encerramento é abril. "Tendo confirmado a efetividade e segurança, e sendo aprovado, os que receberam placebo receberão o princípio ativo", revela Eduardo Freire.

Aguardando
Enquanto isso, a vacina russa Sputinik V aguarda parecer da Anvisa. Rogério Rosso, diretor de negócios internacionais da União Química, explicou que, em 29 de outubro, o Fundo Soberano de Riqueza da Federação da Rússia (RDIF), a empresa União Química Farmacêutica Nacional e o Governo do Estado do Paraná compartilharam documentos preliminares da vacina com a Anvisa.

Segundo ele, no entanto, acordos de confidencialidade impedem que detalhes sejam divulgados. "Com a produção centrada na unidade de Biotecnologia da União Química em Brasília, a Bthek, a parceria entre a companhia e o RDIF prevê acordo de transferência de tecnologia e fabricação da vacina para o Brasil e para toda a América Latina", esclarece Rogério Rosso. Apenas com aprovação do órgão fiscalizador, o grupo poderá dar início aos testes.

Como se candidatar

Ainda há vagas para quem quiser ser voluntário da vacina CoronaVac. Basta preencher o formulário disponível no site do Instituto Butantan. Veja os critérios:

» Podem se inscrever profissionais da saúde que tenham mais de 18 anos
» É preciso que o profissional trabalhe em serviço de saúde atendendo pessoas com covid-19
» Ter registro no conselho profissional regional
» Não apresentar doença crônica
» Não estar gestante
» Não participar de outro ensaio clínico

Andamento

Em que fase estão as vacinas em estudo no DF?

» CoronaVac e Johnson & Johnson
Fase três: Última fase de estudo antes da obtenção do registro sanitário e tem por objetivo demonstrar a sua eficácia. Somente após a finalização e obtenção do registro sanitário é que a nova vacina poderá ser disponibilizada para a população.

» Sputinik V
Pré-produção: envio de documentos preliminares para a Anvisa.

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Três perguntas para...

13/11/2020

 

 

Luciano Lourenço, clínico-geral e chefe de emergência do Hospital Santa Lúcia

Qual a importância de uma vacina, neste momento? Ela é realmente eficaz?

Tivemos a erradicação de dezenas de doenças dentro do Brasil e do mundo, mediados por vacinas eficientes. É importante saber que as vacinas salvam vidas, erradicam doenças e a expectativa é maravilhosa. Ter uma vacina eficaz seria a grande solução para que a gente não tenha mais pessoas se contaminando e perdendo a vida devido à covid-19.

Essas vacinas estão sendo desenvolvidas em tempo recorde, e isso nos preocupa como especialistas, porque elas precisam ter comprovação científica robusta, e essa pressão mundial para que saiam em tempo extremamente atípico nos chama atenção. A gente acaba tendo a sensação de que a forma de produção poderia ser mais cuidadosa. A demanda obriga as empresas a trabalharem de forma mais acelerada, e essa é uma preocupação. Ficando claro que passaram por todos os protocolos, temos em mãos uma ferramenta poderosa para que tornemos as pessoas imunes à atividade viral da covid-19. Os estudos que a gente vem acompanhando mostram efetividade alta, de mais de 90%, e a nossa expectativa é muito positiva.

Há muitas críticas às vacinas, principalmente à  CoronaVac, de origem chinesa. Há fundamento nessas críticas?

O desenvolvimento das vacinas está politizado. A gente, como médico, não quer saber de onde a vacina vem, mas se passou pelos protocolos rigorosos do desenvolvimento de uma ferramenta médica muito importante. Uma vez que demonstre efetividade, se é feita na China, Rússia, Estados Unidos, ou qualquer país, não interessa. A gente quer efetividade.

Uma vez que a vacina esteja concluída e liberada, por que a população deve buscar se imunizar?

Porque essa é a forma mais efetiva de se evitar a contaminação e o acometimento grave da doença. Ter anticorpos, células de defesa contra esse vírus, impede que a doença se instale. Consequentemente, você corta o problema pela raiz e não tem o acometimento, a resposta inflamatória, que é a resposta perigosa. Não deixar que a doença se inicie é a melhor e mais efetiva maneira de se tratar.