Correio braziliense, n. 20992, 14/11/2020. Colunas, p. 8

 

Nas entrelinhas: A voz deles nas eleições

Carlos Alexandre de Souza 

14/11/2020

 

 

Aos 24 anos, Darlene Quirino é uma moça de sorriso fácil. Moradora de Luziânia, município goiano a 60km de Brasília, a jovem integra o contingente de milhões de brasileiros que depositam a esperança no futuro. A realidade não está amena para esta mulher negra, formada em pedagogia e à procura de emprego. Darlene Quirino contou o drama pessoal ao Correio, na última quinta-feira, quando o repórter Edis Henrique Peres apurava sobre o nível de desigualdade na sociedade brasileira em 2019, identificado pelo índice Gini. Darlene tem uma personalidade descontraída, ri com facilidade. Mas o humor esvai-se quando ela reflete sobre a batalha inglória de buscar uma ocupação em um momento econômico crítico, apesar do discurso otimista do ministro Paulo Guedes. Para quem procura emprego, o home office é um desafio adicional: é preciso ter computador pessoal, acesso à internet, familiaridade com a tecnologia, se quiser ter alguma chance de conquistar uma possível vaga. São condições dificílimas de alcançar os milhões de brasileiros que vivem no nono país mais desigual do mundo.
Darlene descreve, de maneira direta, a luta pela sobrevivência no Brasil da pandemia. "Todo mundo diz que está pegando os currículos, mas não está contratando", lamenta a pedagoga. Ela conta, também, que está difícil encontrar emprego em escola, pois muitas funcionam em condições restritas, ou — como ocorre na rede pública — estão, simplesmente, fechadas.

Mas a eleitora de Luziânia revela outro obstáculo, que não está restrito apenas a quem busca emprego: o preconceito. "O país é muito preconceituoso. Evoluiu um pouco, mas a minoria precisa ter mais voz, ter mais espaço. Tem lugar que, quando vamos entregar o currículo, já fica claro que não vamos ser aceitos. Não há ninguém negro, ninguém que nos represente na empresa. Dependendo do local, você entra e já sente que ali não será bem recebida", descreve Darlene, negra de cabelos longos.

Neste domingo, milhões de brasileiros terão a oportunidade de dar uma resposta à realidade que se impõe no nosso cotidiano. É a eleição do novo normal, termo utilizado para descrever os tempos disruptivos a que somos submetidos em razão da pandemia. A covid-19 obrigou o país a prevenir-se, a preparar o sistema público de saúde contra um tsunami de internações, a demitir ou deixar de contratar milhões de trabalhadores em razão do encolhimento econômico. O eleitor também decidirá, amanhã, como os futuros prefeitos e vereadores poderão contribuir para que o município enfrente um 2021 que começará tão ou mais difícil do que o ano que termina.

Darlene representa uma parcela da população que tem muito a dizer nas urnas. As mulheres formam a maioria do eleitorado brasileiro — são 77 milhões de votos, o equivalente a 52% do contingente de cidadãos aptos a ir às urnas amanhã. Mas a representatividade demográfica está muito distante da presença feminina no mundo político. Segundo levantamento da ONU, o Brasil ocupa o 140º lugar no ranking mundial de representatividade política das mulheres. A ausência feminina em governos, assembleias, audiências públicas significa uma enorme lacuna a ser preenchida. E não faltam situações urgentes a merecerem maior participação de mulheres. Feminicídio, aborto, acesso ao mercado de trabalho, assédio e preconceito — como o relatado por Darlene — formam algumas das realidades de ser mulher no Brasil, país de profunda herança patriarcal.

Há outra razão que clama o voto consciente, em nome dos mais desfavorecidos. Darlene faz parte da maioria negra do Brasil, que corresponde a 56% da população no país. Da mesma forma como ocorre com as mulheres, há inúmeras razões para avaliar quais candidatos defendem alguma ação política para atender a essa relevante questão social.

As eleições deste domingo representam, portanto, uma oportunidade para mulheres e negros — maioria na população brasileira — conquistarem o espaço que merecem no mundo político, a fim de reparar injustiças históricas.