Correio braziliense, n. 20992, 14/11/2020. Economia, p. 12

 

Guedes: recriar auxílio é hipótese remota

Marina Barbosa 

14/11/2020

 

 

Após causar ruídos no governo e no mercado financeiro, ao dizer que o auxílio emergencial seria "com certeza" recriado caso uma segunda onda da pandemia da covid-19 atingisse o Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, recuou. A declaração incomodou porque vai de encontro ao entendimento de que é preciso conter o avanço da dívida pública, e destoou do discurso do presidente Jair Bolsonaro de que o coronavírus está cedendo e a economia está se recuperando no Brasil. Por isso, Guedes fez questão de se explicar, ontem, que o governo não trabalha com a possibilidade de prorrogar o auxílio. O "plano A", segundo o ministro, é encerrar o auxílio emergencial em 31 de dezembro e voltar para o Bolsa Família em 2021.

"Hoje, o plano A é: chegamos ao fim do ano, fazemos o fading out (desaparecimento, na tradução do inglês) do auxílio emergencial. Ele entrou em R$ 600, passou para R$ 300, e agora aterrissa, novamente, no Bolsa Família. Fizemos o nosso programa de auxílio emergencial e esse programa termina em 31 dezembro, ponto. E voltamos para o Bolsa Família", destacou Guedes, ontem, durante o Encontro Nacional do Comércio Exterior (Enaex). E reforçou: "este é o nosso plano A, tudo o mais são hipóteses de probabilidade menor".

O ministro argumentou que o auxílio emergencial é uma "ajuda transitória", criada para o enfrentamento da pandemia da covid-19. E indicou que, apesar de os casos e as mortes estarem voltando a ganhar força em alguns locais do país, o governo brasileiro não acredita no risco de uma segunda onda de contaminações, ao contrário do ele havia dito na quinta-feira. "Do lado da pandemia, o Brasil está conseguindo combater a doença e a vacina está chegando. É um fato que está acontecendo do lado da saúde. E, do outro lado, da economia, é um fato que o Brasil está saindo da recessão", declarou.

Reformas
O ministro afirmou que a hipótese de trabalho do governo prevê o Congresso Nacional apoiando e acelerando as reformas econômicas. Ele assegurou que, apesar de o Executivo ter delegado aos parlamentares a discussão sobre o Renda Brasil, qualquer novo programa social vai precisar caber dentro do teto de gastos. E foi categórico ao dizer que, se continuar encontrando dificuldades para financiar o Renda Brasil dentro das suas limitações fiscais, o Brasil vai, simplesmente, voltar ao Bolsa Família em 2021. "Se conseguirmos criar um produto melhor, dentro da responsabilidade fiscal, corretamente financiado, criaremos. Se não, o presidente já deu a última palavra, enquanto essa discussão não estiver estabelecida e ela não está, vamos voltar para o Bolsa Família e acabou", disse.

Guedes garantiu que não haverá populismo nessa discussão, porque o Brasil precisa conter o avanço da dívida pública para voltar a atrair investimentos privados que podem impulsionar o crescimento econômico e baixar a cotação do dólar no Brasil. "Não vamos fazer aventura, gastar o que não pudermos. Ou tem sustentação fiscal ou não interessa", assegurou. A declaração ajudou a tranquilizar o mercado financeiro ontem.

Vaivém
"O discurso mais brando de Guedes, tentando colocar panos quentes sobre o que ele havia falado antes, foi bem absorvido pelo mercado, porque a questão fiscal ainda preocupa muito", afirmou a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto. Segundo ela, o mercado sabe que, tendo uma segunda onda, será preciso fazer novos gastos, mas teme o tamanho dessa despesa, já que a dívida pública está perto de 100% do PIB. Já o especialista do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antônio Moroni, viu com a preocupação o vaivém do discurso do ministro. "A população fica sem saber o que vai acontecer e está cada vez mais preocupada, porque o auxílio está chegando ao fim e o desemprego segue elevadíssimo", lembrou.

Com a dificuldade de encontrar uma forma de financiar o Renda Brasil, o governo tem tentado preparar alguns projetos sociais e de incentivo ao trabalho para poder remediar esse problema no início do próximo ano. Ontem mesmo, Guedes reuniu-se com Bolsonaro para tratar da retomada econômica e, sobretudo, do emprego. A ideia é reduzir os custos de contratação de quem está recebendo o auxílio emergencial para facilitar a inserção desse pessoal no mercado de trabalho. Essa ideia, no entanto, esbarra na questão da recriação da CPMF, que, para o ministro, é a forma de bancar a desoneração da folha de pagamento das empresas.

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"Se nos maltratarem, vamos para a China"

14/11/2020

 

 

O comércio exterior brasileiro deve focar, cada vez mais, na Ásia, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele argumentou que este será o próximo eixo de crescimento mundial e avisou que essa migração só tende a crescer, caso o Brasil seja "maltratado" pelos Estados Unidos e pela Europa. A declaração ocorre em meio à resistência do presidente Jair Bolsonaro de reconhecer a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.

"Se nos tratarem mal do lado de cá, vamos para o lado de lá", disse Guedes, ontem, durante o Encontro Nacional do Comércio Exterior (Enaex). O ministro acrescentou que essa migração já começou, pois, hoje, o Brasil exporta mais para a China e o Japão do que para os EUA e a Argentina. "Toda atenção aos americanos, toda atenção aos europeus. Mas, o Brasil já se moveu e já está indo para o ponto futuro. O eixo de crescimento do mundo está na Ásia", afirmou.

Os números da balança comercial brasileira já mostram que a China é o principal parceiro comercial do país. De janeiro a outubro, as exportações do Brasil para a Ásia cresceram 10,25%. E a alta foi de 12,5% quando se trata apenas da China, que tem recebido cada vez mais commodities brasileiras e registrou um aumento de US$ 31,8 milhões na média diária de importações de produtos brasileiros. Para os Estados Unidos, as exportações despencaram 29,6%, com uma queda de US$ 34,7 milhões na média diária, e o comércio bilateral chegou ao pior nível dos últimos 11 anos.

Segundo o ministro, o Brasil vai exportar US$ 1 trilhão para a China nos próximos 10 anos e também deve aprofundar as relações comerciais com a Índia. Para Guedes, a Índia e a China serão os grandes mercados globais, e o Brasil pode ser a "fábrica de alimentos do mundo".

"Foco no Oriente Médio, foco na Ásia, foco na rota para a Índia. É o caminho das Índias novamente", disse Guedes aos exportadores, lembrando que as vendas externas do agronegócio têm ajudado a impulsionar a economia brasileira neste ano de pandemia.

Dançando com todos
O ministro voltou a dizer que o Brasil quer "dançar com todo mundo" no comércio exterior, já que passou os últimos anos fechado e, agora, pretende abrir a economia para o exterior. Por isso, garantiu que "estamos totalmente abertos para aprofundar as relações comerciais" com os EUA, inclusive acompanhando o desenvolvimento do acordo comercial que foi assinado recentemente com os americanos.

Dois dias atrás, Guedes havia dito que "não é uma personalidade aqui ou nos Estados Unidos que vai afetar a relação entre os dois países". Afirmara, ainda que, "se confirmada a eleição de Biden, não devemos ter problema algum". Mas, depois disso, o presidente Jair Bolsonaro subiu o tom contra Biden, que vem cobrando mudanças na política ambiental brasileira para a Amazônia. O presidente chegou a usar um tom ameaçador, quando disse que a pólvora vem depois que a diplomacia não é suficiente para obter entendimento. Ontem, Guedes disse que "há muito interesse comercial por trás" do discurso de proteção ao meio ambiente.

"Não podemos aceitar a ideia de que nós, em um ano e meio de governo, estamos mudando o clima mundial. São narrativas políticas. Temos que estar atentos a isso. Temos total simpatia de países avançados que querem ajudar, mas vemos, também, a exploração do tema por países protecionistas que querem impedir o avanço da nossa agricultura", reclamou.

O ministro ainda assegurou que o governo tem "consciência de que temos que fazer a nossa parte, o nosso dever na preservação do meio ambiente". E admitiu que o país precisa "descobrir formas verdes de avançar economicamente na região da Amazônia". (MB)

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Brasil terá de cortar gastos, dizem bancos 

14/11/2020

 

 

O Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês) destacou, em relatório divulgado ontem, o que o Brasil precisará fazer em breve "cortes significativos" em seus gastos, a fim de cumprir sua regra fiscal. A entidade, formada pelos 500 maiores bancos do mundo e com sede em Washington, comenta que nos últimos meses já tem citado as preocupações com a trajetória fiscal do país, diante de sua "grande resposta fiscal à covid-19".

O IIF diz que o Brasil possui o maior deficit fiscal entre os emergentes no quadro atual, mas com emissões de bônus modestas até agora. "Depósitos do governo no Banco Central financiam o déficit, e o BC esteriliza a operação com o uso de acordos de recompra", aponta. O IIF afirma que essas operações de recompra são "muito mais baratas do que a emissão" de bônus, mas também diminuem o vencimento médio da dívida pública.

Segundo o IIF, o aumento de gastos públicos do país foi similar ao de nações desenvolvidas para lidar com a pandemia, mas, em breve, serão necessários os cortes para atender à regra fiscal. Para o instituto, essa operação será "dura", em um momento de pressão por mais gastos sociais.

O IIF comenta que a amortização da dívida pública do Brasil prevista para o próximo ano deve ficar em nível similar ao do início dos anos 2000, com uma série de vencimentos "por volta de abril". O fato de que o país possui poucos bônus em moeda estrangeira reduz as preocupações sobre essas rolagens, "mas, o risco de que grandes parcelas da dívida tenham de ser refinanciadas em taxas de juros mais altas ganha relevância", alerta, para lembrar que, em geral, vencimentos muito mais curtos sinalizam "uma situação frágil".