O globo, n.31886, 24/11/2020. Mundo, p. 29

 

A moda de Trump

24/11/2020

 

 

Mais de duas semanas depois de a vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais nos Estados Unidos ter sido projetada, em 7 de novembro, o governo de Donald Trump finalmente deu sinal verde para o início da transição formal do poder. A decisão, na prática, equivale a um reconhecimento da derrotado republicano, embora ele ainda afirme que continuará tentando reverter o resultado das urnas com ações judiciais.

No final datar dede ontem, a Administração Geral de Serviços (GSA), responsável pelo gerenciamento de recursos financeiros e humanos para a transição, enviou uma carta à campanha deBiden anunciando que averba estava disponível para ser usada. Até agora, a agência vinha se recusando a tomara decisão, alegando que a vitória do democrata ainda não era oficial.

Pouco depois de acar tavira público, Trump foi ao Twitter afirmar que o sinal verde para o início da transição havia partido da Casa Branca. No tuíte, o presidente sugeriu que a chefe da GSA, Emily Murphy, foi alvo de ameaças nos dias que antecederam o anúncio.

“Quero agradecera Emily Murphy da GSA por sua dedicação e lealdade a nosso país. Ela foi assediada, ameaçada e abusada —e não quero ver isso acontecer com ela, sua família ou os funcionários da GSA. Nosso caso continua fortemente, evamos manter aboa luta, e acredito que vamos vencer. De toda forma, no melhor interesse do país, recomendo que Emily e sua equipe façam o que precisa ser feito a respeito dos protocolos iniciais, e pedi que minha equipe faça o mesmo”, publicou Trump na rede social.

Na carta enviada à equipe de Biden, Murphy diz que jamais foi pressionada pela Casa Branca em relação ao timing da decisão, que ela afirma ter sido tomada “com base na lei e nos fatos disponíveis”. Mesmo tornando disponíveis os recursos para a transição, ela afirma que a agência “não aponta ou certifica o vencedor de uma eleição” , dizendo que o vencedor será apontado “pelo processo eleitoral determinado pela Constituição”.

Na primeira reação depois do anúncio, representantes de Joe Biden celebraram a oportunidade de uma “transição Donald Trump, referindo-se à chefe da Administração Geral de Serviços, responsável pelos recursos para a transição pacífica” e afirmaram que vão se reunir com integrantes do governo para“discutira resp os taà pandemia, tomar conhecimento dos interesses de segurança nacional e entenderdeforma ampla os esforços do governo Trump para esvaziar as agências governamentais”. Até agora, o republicano também havia proibido os contatos entre integrantes do governo e o sucessor.

DERROTA EM MICHIGAN

Pouco antes do reconhecimento enviesado da derrota, o presidente havia sofrido mais um revés em sua ofensiva judicial e política para reverter o resultado da eleição, na qual Bident eve 79,8 milhões devotos populares e 306 votos no Colégio Eleitoral ,36 amais do que o necessário para a vitória.

As autoridades eleitorais de Michigan certificaram no meio da tarde de ontem a vitória local de Biden, garantindo ao democrata os 16 votos do estado no Colégio Eleitoral. Segundo a legislação americana, a certificação dos resultados da eleição presidencial deve ser feita em todos os estados até 8 de dezembro, seis dias antes da reunião dos delegados ao Colégio Eleitoral.

Como era esperado, a comissão certificadora de Michigan considerou que os números da apuração estavam corretos e que não havia questões que pusessem o resultado em dúvida: foram três votos a favor e uma abstenção — a comissão é formada por dois democratas e dois republicanos. Biden venceu Trump por mais de 155 mil votos no estado.

Em ações judiciais que foram rejeitadas, Trump e seus advogados haviam apontado supostas fraudes em Michigan. Em outra frente, o presidente tentou influenciar os parlamentares republicanos locais para que ignorassem o resultado da votação e nomeassem  seus próprios delegados ao Colégio Eleitoral.

A certificação do resultado também já ocorreu na Geórgia, onde Trump pediu uma recontagem que não alterou sua derrota, e deve ocorrer hoje na Pensilvânia e em Nevada.

PRESSÃO DO MERCADO

A pressão no Partido Republicano para que Trump sua cruzada e reconhecesse o triunfo democrata vinha aumentando. Enquanto o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie classificou as manobras jurídicas do presidente como um “embaraço nacional”, 100 especialistas republicanos em segurança nacional e executivos do mercado financeiro próximos a Trump instaram a Casa Branca a dar início à transição.

—Se você tem evidências de fraude, apresente-as (...). Eu apoiei o presidente, votei nele duas vezes, mas eleições têm consequências, enósnã opo demos continuara agir como se tivesse acontecido algo que não ocorreu — disse Christie no domingo à TV ABC.

Um dos principais aliados de Trump em Wall Street, o diretor executivo do grupo Blackstone, Stephen Schwarzman, veio a público dizer que o eleiçãoé“muit oc laro” eque está pronto para“ajudar o presidente eleito Biden e sua equipe enquanto se confrontam com os desafios significativos de reconstruir nossa economia pós-Covid”.

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Equipe é aceno ao multilateralismo e à diversidade

24/11/2020

 

 

O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou ontem os nomes que irão liderar sua equipe de política externa e segurança nacional, fazendo acenos à diversidade e ao multilateralismo e levando de volta à Casa Branca nomes que trabalharam no governo de Barack Obama. Além disso, a imprensa antecipou o principal nome da área econômica, também uma veterana da administração democrata. Os anúncios mais significativos até o momento do governo de transição vêm em meio à majoritariamente malsucedida cruzada judicial travada por Donald Trump para tentar reverter a vitória de Biden nas urnas.

O primeiro nome a vir à tona, na noite de domingo, foi o de Antony Blinken, futuro secretário de Estado que, como chefe da diplomacia, tentará restaurar alianças marginalizadas pelos republicanos, em uma nova estratégia para o mesmo objetivo de fazer frente à ascensão chinesa no cenário global. Outro nome de relevo é o do ex-secretário de Estado John Kerry, que será o novo “czar do clima”, enviado especial do presidente para a questão, cargo que não demanda confirmação do Senado. Kerry é, há anos, interessado pelo assunto e atualmente coordena uma organização para fazer frente à crise climática.

Cumprindo sua promessa de campanha de formar um governo que represente a diversidade demográfica dos EUA, Biden nomeou Alejandro Mayorkas, um imigrante nascido em Cuba, para chefiar o Departamento de Segurança Interna, e como tal responsável por políticas de imigração. Ele será primeiro latino no cargo. Secretário adjunto de Segurança Interna no governo Obama, foi um dos responsáveis pelo Daca, programa que protege da deportação filhos jovens de imigrantes em situação irregular.

INTERVENCIONISMO

Sucessora de Blinken como conselheira adjunta de Segurança Nacional no governo Obama, Avril Haines será a primeira mulher a atuar como diretora da Inteligência Nacional. Ela, que trabalha com Biden há mais de 10 anos, foi também a primeira mulher a ser diretora adjunta da CIA. O presidente eleito também anunciou que Linda Thomas Greenfield, negra e com 35 anos de experiência no serviço diplomático, será a embaixadora dos EUA na ONU. Ela também terá assento no Conselho de Segurança Nacional, como era antes de Trump rebaixar o status do cargo.

Biden também anunciou que Jake Sullivan será o novo conselheiro de Segurança Nacional.

Ele sucedeu Blinken como conselheiro de Segurança Nacional do então vice-pre si denteBiden, foi um dos negociadores do acordo nuclear com o Irã em 2015.

Logo após tomar posse, o presidente eleito planeja reverter os passos dados por Trump para abandonar acordos e organismos multilaterais, incluindo interromper o processo de saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), retomar ou negociar um novo pacto nuclear com Irã e se juntar novamente ao Acordo do Clima de Paris.

“Preciso de uma equipe pronta no primeiro dia para me ajudara retomar o lugar americano na ponta da mesa”, disse Biden, em comunicado. “Eles também refletem a ideia de que não podemos enfrentar os profundos desafios deste momento com pensamentos e hábitos antigos ou sem diversidade de histórias e perspectivas.”

Blinken, que comandará a política externa,éd escrito como um centrista com tendências intervencionistas. No governo Oba ma, ele defendeu a intervenção militar da Otan na Líbia em 2011 e fazia parte do grupo favorável a uma ação militar direta americana na Síria. Está ao lado de Biden há mais de 20 anos.

O futuro secretário de Estado teve contato próximo com o Brasil quando, ao lado de Biden, fez parte da equipe encarregada por Obama de sanar as relações bilaterais em 2013, quando a presidente Dilma Ro us seff suspen deu uma viagem aos EUA depois que documentos vazados pelo ex-agente Edward Snowden mostraram que ela era espionada pela Agência de Segurança Nacional americana. Dois anos depois, Blinkene Biden receberam abrasileira para um almoço de honra em Washington. Na ocasião, ele se referiu ao Brasil como “um dos nossos parceiros mais importantes e amigos mais próximos”.

Já a imprensa adiantou o nome de Janet Yellen, ex-presidente do FED, o Banco Central americano, para a Secretaria do Tesouro. A equipe de transição não confirmou e Yellen não se pronunciou, mas seu nome manda o sinal de que Biden vislumbra um papel maior do governo na economia. Yellen é especializada em mercado de trabalho e keynesiana, ou seja, crê que os mercados não agem de maneira perfeita todo o tempo. Se confirmada, será a primeira mulher no posto.