O globo, n.31886, 24/11/2020. Caderno Especial, p. 01-08

 

Pandemia desperta sopro de cuidados

24/11/2020

 

 

Se um pesquisador desavisado analisasse algumas estatísticas de doenças das vias aéreas no Brasil em 2020, poderia se iludir com boas notícias. Veria, por exemplo, a queda vertiginosa das viroses sazonais, incluindo o encolhimento de mais de 76% nas ocorrências do vírus sincicial respiratório (VSR), que pode provocar infecções graves em bebês.

O outono, maior temporada de inimigos invisíveis no ar que respiramos, passou sem deixar o rastro usual das doenças respiratórias que preocupam os médicos todos os anos nessa época.

Mas essa seria, claro, uma meia verdade. Este ano, um vírus muito mais poderoso espalhou medo no mundo, afastou a população das ruas e disseminou medidas sanitárias raramente vistas. O SARS-CoV-2, causador da Covid-19, criou um cenário inteiramente novo no enfrentamento das doenças pulmonares. Todo o resto terminou insignificante.

Um ano depois do surgimento da pandemia, na China, médicos do mundo todo ainda tentam mapear a miríade de sintomas da doença, alguns deles de longa duração. Nos pulmões, a Covid-19 pode aparecer na forma de mancha de “vidro fosco” nas tomografias, e, nos casos mais graves, uma hipóxia (queda de oxigenação do sangue) silenciosa.

Ainda é cedo para ter a dimensão completa do impacto futuro que a força-tarefa global mobilizada pela pandemia terá para a pesquisa e a saúde pública. Alguns especialistas preveem uma nova era de doenças respiratórias de alcance global, na qual a experiência médica com internações duradouras e técnicas de intubação terá sido preciosa.

Desde as vacinas da influenza e da caxumba, que levaram cerca de quatro anos, não se via uma pesquisa de imunização tão rápida. Nem com tantas implicações sociais e econômicas. Que legado essa corrida pela cura deixará para outras eventuais epidemias?

O que se sabe ao certo é que levar uma vida saudável, sem doenças crônicas, tem feito a diferença na atual pandemia. Para um inimigo que reduz a capacidade de absorver oxigênio, ser ou não fumante, por exemplo, tem um peso grande.

Nas próximas páginas, você vai conferir como o Brasil tem enfrentado a Covid-19 e outros vilões respiratórios, como o câncer de pulmão, alvo da campanha do Novembro Branco. E, de quebra, saber que hábitos cultivar para respirar melhor.

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Entrevista - Margareth Dalcolmo

24/11/2020

 

 

Pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo já enfrentou muitos desafios em quatro décadas de saúde pública. Entre eles a tuberculose, sua principal área de trabalho, que ainda acomete 75 mil novas pessoas por ano no Brasil. Participou também da formulação dos programas que reduziram drasticamente o tabagismo no país. Mas nenhum inimigo mobilizou suas forças como o SARS-CoV-2, vírus que provocou a pandemia da Covid-19. Entre aparições na TV, textos para sua coluna no GLOBO, e a pesquisa, a médica sentiu no corpo os sintomas da doença em maio. Agora, vive a expectativa da imunização que tem o Brasil como um dos epicentros. Na entrevista abaixo, ela fala dos próximos meses de combate ao coronavírus e de outros males que atingem os pulmões dos brasileiros.

O SARS-CoV-2 ainda vai viver entre nós por muito tempo?

Historicamente, as viroses respiratórias tendem a desaparecer. Foi assim com a SARS, com a MERS, com a própria gripe espanhola. Mas isso não quer dizer que elas não possam voltar. Não é esperado que o SARS-CoV-2 desapareça das nossas vidas. Ele vai manter uma certa endemicidade, e é por isso que precisamos das vacinas. As viroses crônicas, como a hepatite C, a Aids, são tratadas com remédios. As agudas, não. A experiência é frustrante, como foram todos os tratamentos da Covid-19.

A possibilidade de mutações do vírus ameaça a imunização global contra a Covid-19?

É muito pouco provável, porque o SARS-CoV-2 é um vírus grande, tem RNA complexo, sofre poucas mutações. As que ocorreram até agora não tornaram a doença mais transmissível ou mais grave. Ele permite que todas as vacinas em teste sejam eficientes.

Os problemas que estão ocorrendo na fase clínica dos testes soam algum alerta?

Esses acidentes de percurso são perfeitamente esperados. Os comitês de segurança são independentes, têm autonomia para interromper os estudos. Esclarecem o efeito adverso, determinam se aquilo está ou não relacionado à vacina, qual a gravidade. Em relação à CoronaVac (que teve os testes em humanos interrompidos pela Anvisa), a suspensão foi algo totalmente excepcional. Quem poderia tê-lo feito seria o Butantan, o fabricante, ou os comitês que monitoram a vacina, antes da Anvisa. Não sei qual é o grau de interferência política nisso, mas temo que tenha havido.

Podemos ser otimistas em relação a essas vacinas?

Esperávamos que as vacinas mal passassem do ponto de corte mínimo para aprovação pelos órgãos regulatórios, e alcançassem uns 60% de proteção. Isso se somaria à taxa de imunidade comunitária já alcançada em algumas áreas, chegando a uns 80%. Os números mais altos que têm sido divulgados são preliminares, precisamos avaliar melhor. Mas a nossa perspectiva é que tenhamos, em 2021, várias vacinas aprovadas.

O movimento antivacina fala em direitos individuais para defender seu ponto de vista. Tomar ou não a vacina deve ser uma escolha pessoal?

Essa discussãoé artificial. Estamos vivendo uma situação em que não se pode velar um morto com caixão aberto. Estamos ferindo o direito individual das famílias enlutadas? Com certeza. Mas uma epidemia é uma epidemia, tudo nela é diferente. Temos que olhar para o direito coletivo de proteção do máximo possível de pessoas. Diante de uma doença com uma capacidade de transmissão tão alta, qualquer medida que intercepte essa cadeia deve ser adotada para todos. Considero o movimento antivacina algo beirando a criminalidade. Por que negar a alguém acesso à única coisa capaz de prevenir uma doença?

O SUS respondeu bem à crise sanitária dessa epidemia?

Ele entrou nessa guerra combalido. A epidemia chegou para nós como uma tsunami e não prestamos atenção ao recuo do mar, que foram os países europeus que nos antecederam. Nós podíamos ter tomado medidas preventivas. Não podia nem ter havido carnaval, por exemplo. A doença chegou aqui nessa época. Mas acho que 2021 trará medidas de saúde pública em relação às vacinas muito positivas.

Especialistas afirmam que estamos em uma segunda onda de Covid-19 no Brasil. Seria apropriado?

Não podemos cravar ainda. Considera-se a segunda onda de uma epidemia quando já houve uma redução grande e depois os números de casos e mortes aumentam em mais de 50%, como está acontecendo na Europa. No Brasil, podemos pensar nesse movimento apenas no Norte, nem isso se caracterizou ainda. Passamos pelo pico epidêmico lá pelo final de junho e mantivemos um patamar de transmissão muito alto ainda. A doença está longe de ser controlada no país.

Como a pandemia impactou outras doenças pulmonares?

As viroses respiratórias que a Fiocruz monitora pelo sistema InfoGripe diminuíram muito. As pessoas ficaram em casa e usaram máscara, por isso a transmissão das gripes sazonais caiu. Mas outras doenças chamam atenção de maneira triste, como a dos cânceres mais frequentes no Brasil, incluindo o de pulmão. Segundo o INCA, 70% das cirurgias previstas deixaram de ser feitas. São pessoas que tinham seu diagnóstico e estavam em preparo para a cirurgia, mas ela foi adiada. Também não fizeram sua quimioterapia ou radioterapia adequadamente. Tudo isso tem um impacto muito grande na mortalidade. Vamos saber daqui a um ano, quando fizermos uma análise epidemiológica.

E a tuberculose, que já era preocupante no Brasil?

Sabemos, pelos dados do próprio Ministério da Saúde, que houve 40% menos diagnósticos no país. São pessoas que estão circulando e contaminando outras. Nos centros de referência, como a Fiocruz, não deixamos de atender nossos pacientes, mas muitos outros serviços não funcionaram. O problema é que a resistência aos medicamentos contra a tuberculose está ligada ao uso inadequado de tratamentos anteriores.

Podemos dizer que o combate ao tabagismo foi um caso exemplar das nossas políticas públicas?

É uma história de sucesso. A despeito de todas as dificuldades, estabelecemos uma política de prevenção. Tínhamos uma quantidade enorme de fumantes, reduzimos esse número e conseguimos manter essa taxa. Foram medidas muito exitosas, como a proibição da propaganda, a taxação, os programas de educação voltados a adolescentes.

Que perigo os cigarros eletrônicos representam?

Eles são um dos maiores desafios hoje, do ponto de vista respiratório. A Sociedade de Pneumologia, ao lado de outras sociedades médicas, conseguiu que a Anvisa não aprovasse os vapers no Brasil (a agência deve retomar a discussão no ano que vem). Mas eles entram aqui contrabandeados. São fonte de um grande número de mortes por inalação de substâncias tóxicas, que podem causar inflamação nas vias aéreas. Estão relacionados à doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), que inclui o enfisema e a bronquite crônica. Criaram mecanismos de adição sutis, perversos.

Que outros acertos políticos tivemos em relação às doenças pulmonares?

Um excelente exemplo é a vacinação contra a influenza. A incorporação no programa anual fez a mortalidade cair, embora ainda seja alta. Além dos idosos, o SUS hoje também protege as crianças.

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Pós-covid amplia ferramentas da ciência pulmonar

Ana Paula Blower 

24/11/2020

 

 

No dia 31 de março, a administradora Isis Ramos, de 44 anos, perdeu o fôlego ao subir uma rua para buscar o carro e voltar do trabalho. Ao chegar em casa, a falta de ar era tanta que nem conseguia falar. Naquele mês, a pandemia de Covid-19 estava no auge e os casos só aumentavam. Ela trabalha na parte administrativa de um hospital e estava exposta à doença. Dias depois, foi internada, o que se repetiu algumas vezes:

— Dei entrada no hospital quase desacordada. Depois, minha respiração melhorou e fui me tratar em casa. Mas tive muita dor nos pulmões, uma tosse horrorosa, falta de ar a ponto de não conseguir me alimentar. Fui para a emergência mais umas quatro vezes — lembra. — Hoje, quase oito meses depois, ainda estou padecendo com os efeitos da Covid-19. Canso-me com facilidade, há dias em que sinto falta de ar. A recuperação tem altos e baixos, afeta a parte física e emocional porque não sabemos quando será a recaída.

A administradora teve de fazer uso de oxigênio suplementar durante meses e ainda recorre a ele quando não se sente bem. Além disso, faz reabilitação respiratória. Seu quadro representa o que está sendo chamado pelos médicos de síndrome pós-Covid, um conjunto de efeitos deletérios da doença, como a falta de ar.

REABILITAÇÃO

Especialistas ponderam que ainda pode ser cedo para garantir quais serão esses efeitos a longo prazo e por quanto tempo durarão. Mas se sabe que alguns pacientes permanecem com sequelas e precisam de tratamentos de reabilitação, como fisioterapia respiratória.

Em geral, esses danos permanecem em pacientes que tiveram internações em CTI ou uso de ventilação mecânica. Mas a pneumologista Patricia Canto Ribeiro, que trata de Isis Ramos, conta que tem visto efeitos prolongados mesmo em pacientes que tiveram quadros moderados da doença.

— Eles mantêm muitos sintomas respiratórios, como cansaço, falta de ar e a necessidade de fisioterapia — pontua a médica da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio. — Ainda estamos aprendendo com essas pacientes.

Para os mais graves, o trajeto para recuperação pode ser ainda mais longo e traumático. Nestes casos, explica a patologista Marisa Dolhnikoff, coordenadora dos estudos em autópsia da Covid-19 do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a lesão dos pulmões pode levar a focos de cicatrização, ou seja, fibrose pulmonar (ver quadro), com possíveis sequelas após o quadro agudo.

— Os sintomas são cansaço, falta de ar, dificuldade de realizar esforços ou exercícios. Há até necessidade de suplementação de oxigênio. Ainda não sabemos a extensão dessas sequelas, e o acompanhamento a longo prazo dos casos graves será fundamental —diz.

SEQUELAS CONHECIDAS

O pneumologista José Tadeu Colares Monteiro, professor da Universidade Federal do Pará, diz que os impactos na saúde pulmonar podem aparecer até 30 dias ou mais após o comprometimento do pulmão. E que esse já era um conhecimento adquirido de outros tipos de coronavírus:

— Outras cepas já causaram sequelas respiratórias sob o formato dessa fibrose, que é extremamente limitante. Não é algo que acontece com a maioria dos pacientes, mas é perfeitamente possível — observa o coordenador da Comissão de Infecções da Sociedade Brasileira de Pneumologia.

A falta de ar, o cansaço extremo e a dificuldade para respirar fizeram com que muitos pacientes curados da Covid-19 não estivessem prontos para voltar às suas vidas normais após a internação. Para isso, foram criadas enfermarias pós-Covid, como a do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Uerj). A fisioterapeuta Mônica Cruz trabalha com esses pacientes.

Para ela, ainda é cedo para diferenciar o que é efeito da Covid-19 e o que é consequência de longos períodos de internação e intubação.

— Por conta da intubação, da ventilação mecânica, esses pacientes evoluem para uma hipotrofia e perda de massa muscular, e ficam extremamente limitados do ponto de vista funcional. Às vezes também persistem exames de imagem mostrando comprometimento do pulmão —afirma.

Ainda que a pandemia esteja em curso, médicos reforçam o alerta de que surtos de novas doenças podem ocorrer. Diante disso, os aprendizados recentes com a Covid-19 são valiosos. Para o pneumologista José Tadeu Colares Monteiro, as tecnologias desenvolvidas contra o novo coronavírus, como avanços na ventilação mecânica, ficarão como um legado para o combate a outras doenças pulmonares.

Para Dolhnikoff, entre as lições da Covid-19 está a compreensão maior do tipo de lesão inflamatória que a doença causa, similar a outros quadros pulmonares, como os casos graves de influenza.

—Nestes meses, aprendemos muito sobre os mecanismos de agressão pulmonar do SARS-CoV-2 e os possíveis manejos do paciente na UTI. Novas epidemias respiratórias são possíveis, e prováveis —prevê.

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Anvisa aprova nova ventilação mecânica

24/11/2020

 

 

O principal órgão atingido pela Covid-19 é o pulmão, e tratá-lo é um dos principais desafios para as equipes de saúde. Para ajudar no tratamento, pesquisadores brasileiros desenvolveram uma nova e pioneira tecnologia que funciona como uma espécie de “pulmão auxiliar artificial”.

O funcionamento do equipamento, que também pode ajudar em situações de afogamento, intoxicação por fumaça e em cirurgias de transplante, foi regulamentado em outubro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e agora segue em fase de produção de seu primeiro lote.

Segundo informações da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que apoiou o projeto, a tecnologia auxilia o tratamento dos pacientes que sofrem de insuficiência respiratória aguda, uma das consequências de casos graves de Covid-19.

TROCA DE GASES

Trata-se de um sistema de ventilação mecânica, que dá suporte ao tratamento, oferecendo uma espécie de “pulmão auxiliar”, capaz de oxigenar o sangue fora do corpo, removendo o gás carbônico (CO2).

O tratamento funciona por meio de um equipamento composto por um circuito, no qual o sangue das veias é removido do paciente, bombeado até um oxigenador e depois devolvido ao corpo por meio de uma artéria ou uma veia.

Com essa tecnologia, os pesquisadores envolvidos esperam trazer maior “segurança e aprimorar os procedimentos médicos a custos mais baixos, promovendo maior acesso a esse tratamento no país”.

O sistema de ventilação mecânica controlado por plataforma eletrônica foi desenvolvido em maio deste ano por alunos e professores pesquisadores do Inatel, instituição de ensino e pesquisa de Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais.

Em seguida, o projeto foi transferido para a indústria e recebeu o financiamento da Embrapii, órgão público responsável por apoiar a inovação no Brasil.

URGÊNCIA

Até outubro, quando a Anvisa regulamentou o equipamento, passaram-se apenas cinco meses, o que pode ser considerado pouco tempo para um processo do gênero. Isso aconteceu porque, em março, a agência regulatória publicou, em caráter extraordinário, a resolução RDC nº 349, que modifica os critérios para petições de registro de produtos e equipamentos destinados ao tratamento e ao combate da Covid-19.

Com a medida, empresas passaram a poder registrar produtos, tanto fabricados no Brasil, como importados, em um espaço menor de tempo —o que beneficiou a autorização do “pulmão auxiliar”.

O sistema de ventilação mecânica foi desenvolvido a partir de uma parceria entre a Embrapii, o Instituto Eldorado e a empresa Braile Biomédica. Por isso, a produção pode ser descrita como 100% nacional.

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Mascarados versus epidemias

Mariane Morisawa 

24/11/2020

 

 

Máscara cirúrgica ou de pano, com strass, estampada com rosto, de time de futebol ou coraçãozinho. A pandemia de Covid-19 fez com que um item até então pouco familiar no Brasil ganhasse as ruas do país em múltiplas estampas e formatos. Segundo uma pesquisa Ibope para o GLOBO divulgada em setembro, 83% dos brasileiros aprovavam seu uso neste período.

Em outros países, porém, topar com um mascarado numa calçada é algo bem mais banal. E que nem sempre está associado a epidemias tão graves como a atual.

—Nos países asiáticos, como China, Japão, Coreia do Sul, é comum ver pessoas nos aviões, trens e ônibus usando máscaras —afirma a infectologista Raquel Stucchi, da Unicamp, que já recomendava o uso em março, antes do comunicado oficial do Ministério da Saúde.

Tradicionalmente, elas são usadas nas grandes cidades da Ásia para evitar a disseminação de doenças de contágio aéreo, especialmente no inverno. Ao primeiro sinal de coriza ou tosse, lá estão as máscaras nas ruas ou no transporte público. Sua adoção por grande parte da população no continente é apontada como um dos fatores de controle da pandemia de Covid-19.

Nos Estados Unidos, onde não há uso obrigatório, o número de casos, de internações e mortes vem batendo recordes. Na Europa, que fez a reabertura sem obrigatoriedade das máscaras, a curva voltou a crescer.

Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Antonio Bandeira lembra que as máscaras estão entre os itens básicos do arsenal dos profissionais de saúde há muitos anos como proteção contra agentes infecciosos. Para ele, em breve elas poderão também servir como escudo para a população em uma possível nova era de doenças globais.

— A Covid-19 não será a última pandemia. Tivemos várias nos últimos anos. A densidade populacional muito elevada faz com que os vírus ganhem uma dimensão explosiva. O desmatamento provoca um contato próximo entre seres humanos e mamíferos que podem transmitir doenças —prevê o médico.

Stucchi defende a adoção por aqui mesmo depois do fim da pandemia, no caso de sintomas que afetem as vias áreas. A eficácia maior das máscaras, dizem os especialistas, é para barrar a transmissão de uma doença para os outros – um cuidado coletivo, portanto, em vez de individual.

Para a infectologista, porém, trata-se de um hábito difícil de difundir:

—Se as pessoas não forem obrigadas, não vão usar. Talvez valha a pena começar um processo educativo .

Há outras razões para essa popularização. Em países como a China, onde a poluição atmosférica alcançou níveis alarmantes, muitos passaram a utilizá-las como forma de proteção. Segundo o pneumologista Carlos Alberto de Barros, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio), faz sentido. Nesse caso, a máscara ideal é a N95.

— Ela diminui o índice de partículas inaladas — diz.

O patologista Paulo Saldiva, da Universidade de São Paulo (USP), concorda, mas afirma que a máscara não é 100% eficaz para esse fim. É preciso haver políticas de combate à poluição.

—Temos de fundar a sociedade protetora do ser humano —defende o médico.

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Cenas de ficção científica

24/11/2020

 

 

Parece coisa de ficção científica, ou pelo menos do desenho Os Jetsons .Masa pandemia de Covid-19 fez com que inventores colocassem a cabeça para funcionar e criassem versões futuristas da combinação máscara e protetor facial de acrílico. Os primeiros modelos são reais e já chegaram aos mercados fora do Brasil.

A MicroClimate lançou o Air, um capacete que fecha ao redor do pescoço e promete filtrar até 99,97% das partículas de até 0,03 mícrons. Dois ventiladores potentes puxam o ar através dos filtros HEPA para dentro da máscara, mantendo-o fresco e sem embaçamento. Feito de tecido impermeável lavável, tem um visor de acrílico que permite o uso de óculos. Pesa cerca de 900 gramas e tem bateria com autonomia de cerca de quatro horas. O dispositivo custa US$ 199 (cerca de R$ 1.000).

Para emplacar a novidade, a empresa norteamericana apostou em uma campanha baseada em fotos bem produzidas de jovens executivos. Conseguiu despertar a atenção de veículos da imprensa do país, como New York Times e Forbes. Outros produtos da linha estão previstos em breve. Outra opção é o BioVYZR, cuja promessa é barrar 95% das partículas em seus filtros N95. Criada durante a pandemia, a companhia canadense lançou o protótipo do equipamento inicialmente em uma campanha bem sucedida no site de financiamento coletivo Indiegogo. O texto de apresentação fala na “transição da vida para além da pandemia”.

O modelo é menos discreto, com fechamento na altura do peito. Os ventiladores silenciosos têm três velocidades de fluxo. Com transparências laterais, não bloqueia a visão periférica. A bateria dura até oito horas, e o peso é de 1,2 quilo. Custa US$ 379 (cerca de R$ 2.000) no pré-lançamento, com preço cheio de US$ 498 (R$ 2.600).

Deu vontade de coçar o nariz? Sem problemas, com as luvas acopladas dentro do dispositivo o usuário pode fazer isso em segurança. O modelo também conta com bolsos frontais e traseiros.

A LG anunciou este ano, na feira de tecnologia IFA, em Berlim, sua incursão nesse mercado, a PuriCare Wearable Air Purifier. Bem mais portátil que as concorrentes, a máscara cobre apenas o nariz e a boca. Trata-se de uma versão individual da linha de purificadores de ar caseiros da companhia.

A PuriCare tem um sensor que detecta o volume da respiração do usuário e ajusta dois ventiladores. A qualidade do ar é garantida por dois filtros HEPA.

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Algoritmo turbina diagnósticos

Gustavo Leitão 

24/11/2020

 

 

Um dos instrumentos mais importantes para a detecção de doenças pulmonares, a tomografia computadorizada acaba de ganhar um upgrade graças a um novo método desenvolvido pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fruto de uma pesquisa das áreas de teleinformática e biomedicina, a abordagem diagnóstica usa algoritmos para isolar as imagens do pulmão e identificar com rapidez doenças como a Covid-19, o enfisema e tumores.

O procedimento é um atalho para lidar com a enorme massa de informações geradas pela tomografia, que costuma produzir entre 800 e 1.200 imagens da região do corpo escolhida. Procurar sinais de doenças nesse conjunto acaba sendo como achar uma agulha no palheiro, uma tarefa considerada espinhosa até para especialistas experientes. Nos diagnósticos de pulmão, a missão é dividida entre radiologista e pneumologista.

Com o método da UFC, fórmulas matemáticas, os algoritmos, processam esse conjunto de imagens automaticamente, segmentando as áreas de interesse —no caso, pulmões e traqueia. Todo esse processo leva menos de dois minutos.

— Podemos, então, juntar essas imagens e ter uma análise completa de todas as estruturas importantes para o profissional de saúde — explica o engenheiro Paulo César Cortez, do Departamento de Engenharia de Teleinformática, que conduziu a pesquisa com o pneumologista Marcelo Alcântara de Holanda, do Departamento de Medicina Clínica da universidade.

PATENTE APROVADA

A invenção parte de técnicas de processamento de imagem chamadas de modelos de contorno ativos (MCA), usadas para interpretar dados de saúde. Essa colaboração entre a medicina e a informática começou na universidade em 2008. Só este ano, resultou na aprovação da patente, que abre várias possibilidades de diagnóstico.

— Com a segmentação, é possível aplicar outros algoritmos e criar modelos tridimensionais dos pulmões do paciente. Ela também possibilita quantificar com precisão numérica informações como a capacidade respiratória ou a evolução de um nódulo maligno, por exemplo —explica o professor.

A análise de imagens do tórax pode diminuir o tempo e elevar a eficácia da identificação de uma série de problemas pulmonares, como pneumonia, enfisema e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Em caso de suspeita de Covid-19, a vantagem é aprimorar a acurácia da tomografia, seu principal método diagnóstico. Isso porque a aparência de “vidro fosco” dos pulmões, típica da doença, não costuma aparecer nos exames de raio-X.

VERSÃO BETA

Por enquanto, o método deu origem a um software beta, o Lung Image System Analysis (LISA), que já vem sendo usado experimentalmente no Hospital Universitário Walter Cantídio, da Faculdade de Medicina da UFC. A perspectiva é que a patente registrada no INPI no mês passado possa originar outros produtos.

— Precisamos de recursos para montar equipe e criar uma versão oficial que possa ser usada nos hospitais. O potencial é imenso. Um exame com processamento de imagem assim fora do Brasil sai por cerca de US$ 350 (cerca de R$ 1.900) —afirma.

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Não há níveis seguros para fumaças toxicas

Ana Paula Blower 

24/11/2020

 

 

Podem até tentar provar o contrário, mas a verdade científica é que todo tipo de fumo faz mal à saúde. Ao longo da história, a indústria do tabaco tentou desenvolver uma série de produtos almejando diminuir a toxicidade da inalação da fumaça, mas sem êxito. Do cachimbo ao narguilé, passando pelo cigarro eletrônico, médicos alertam: nenhum deles reduz efetivamente os danos.

— Tudo que não for ar puro é prejudicial ao pulmão. Mesmo a poluição das cidades grandes é prejudicial. Nenhuma forma de combustão de tabaco, cigarro, narguilé, cachimbo ou charuto, é menos nociva. Todas são cancerígenas e podem levar à doença obstrutiva crônica (DPOC), que se traduz por enfisema — destaca o pneumologista Clystenes Odyr Silva, professor da UNIFESP-EPM.

O médico acrescenta que, para quem já tem doença respiratória, como asma, fumar prejudica ainda mais o prognóstico. Para se ter uma ideia dos danos, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), homens que fumam têm 23 vezes mais chances de ter câncer de pulmão do que os que não fumam. Para as mulheres, a proporção diminui, mas ainda é alta: 13 vezes mais.

Entre as principais doenças associadas ao tabagismo, que são cerca de 50, estão, além do câncer de pulmão, diversos outros tipos da doença, bronquite crônica, asma, enfisema pulmonar, infecções respiratórias e doenças cardiovasculares.

Diante disso, o conselho unânime entre os médicos é, claro, não fumar. Nada. Preservar a saúde pulmonar, além de evitar doenças, é necessário para que o órgão esteja bem preparado caso se depare com alguma doença, como a Covid-19, que o ataca principalmente.

— Podemos passar dias sem comer, mas nem um minuto sem respirar. Então, por que colocar lixo no pulmão? Todos esses produtos (à base de tabaco) geram lixo tóxico e ainda fazem com que as pessoas que não fumam inalem essas substâncias —diz Tânia Cavalcante, médica do INCA. — Quem fuma está bombardeando suas células o dia todo com substâncias altamente tóxicas e cancerígenas.

OS MITOS

A mais recente novidade na indústria é o cigarro eletrônico. Apesar de ter pouco tempo no mercado —e ser proibido no Brasil, com Anvisa programada para rediscutir o tema no ano que vem —, há indícios de que pode não ser seguro e causar dependência. No ano passado, diversos jovens foram internados e morreram nos Estados Unidos por conta de uma síndrome respiratória grave associada ao dispositivo. Algumas substâncias utilizadas nesses produtos estão sob suspeita, mas não há estudos definitivos.

Os dispositivos, diz o pneumologista Paulo Corrêa, professor da Universidade Federal de Ouro Preto, não são uma opção segura. Mas, argumenta, passaram a ser compreendidos equivocadamente dessa forma.

—Há pessoas que pensam em parar de fumar e acham que o cigarro eletrônico é uma alternativa segura. Esse é mais um mito que a indústria vai alimentando — destaca, criticando a divulgação em redes sociais em favor destes dispositivos. — Não existe propaganda direta, mas há a indireta. E isso é um problema porque a adição é muito mais rápida nos eletrônicos.

Outra alternativa popular são os cigarros de palha, vistos como menos danosos. Mas os especialistas asseguram que não é bem assim. Corrêa explica que eles são muito mais fortes do que os industrializados. A equivalência é de um para três. Alguns motivos explicam isso, como o fato de a palha ser impermeável, fazendo com que a fumaça inalada seja mais concentrada.

ARTESANAIS NA MIRA

Já os enrolados artesanalmente apresentam outra promessa. Segundo Cavalcante, muitos se apresentam como feitos de tabaco orgânico, “sem química”, e, por isso, não fariam mal.

— Qualquer coisa que queima e se inala é um coquetel molotov para o pulmão por conta do alcatrão, a substância proveniente da queima. É um conglomerado de substâncias altamente tóxicas e cancerígenas que serão colocadas em um órgão vital, o pulmão —alerta a médica.

Os narguilés também têm o mesmo malefício, de forma ainda mais intensa. Estudos mostram que uma sessão do cachimbo oriental equivale a inalar a fumaça de cem cigarros industrializados. Isso porque o volume de alcatrão é maior.

— Outro risco é em relação à intoxicação pela inalação de monóxido de carbono, o mesmo gás tóxico que sai dos automóveis, o que diminui a oxigenação no sangue e de níveis de consciência —afirma Cavalcante.

Além dos efeitos para o pulmão por conta da tragada, os narguilés são fonte de transmissão de doenças por conta do compartilhamento. O alerta é redobrado em tempos de Covid-19.

Os malefícios do cigarro industrializado já são mais conhecidos e alvo de campanhas governamentais bem sucedidas há tempos.

—A diminuição do tabagismo no Brasil é uma conquista fantástica. Nos anos 1970, um terço da população fumava. Hoje, isso está em torno de 8% a 9%, mas muita gente ainda fuma e sofre com as sequelas — comenta o professor Clystenes Silva.

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Vida saudável, peito aberto

Mariane Morisawa

24/11/2020

 

 

Quando se trata de medidas saudáveis para o pulmão, os especialistas são unânimes: tabagismo, não. Mas largar o cigarro não é o único hábito recomendado para quem quer preservar a saúde respiratória. Nessa lista, entram ainda a alimentação, a prática de exercícios e a manutenção de um am biente livre de partí-culas nocivas no ar.

A saúde pulmonar, é claro, começa deixando de lado o tabaco, de longe o maior causador de doenças das vias respiratórias. Se o fumante já tiver algum tipo de condição prévia, então, abandonar as tragadas é ainda mais urgente – o que não significa que seja fácil, diz o pneumologista Alexandre Milagres:

— A grande maioria não consegue parar de fumar. Quem consegue é só depois de tentar cinco ou seis vezes. Eu sempre sou franco e digo que a luta é árdua.

Mas também não é impossível, e sempre vale tentar. Largar o vício requer, primeiro de tudo, um motivo. Pode ser para economizar dinheiro, ou pela perda de alguém próximo. Reposição de nicotina, medicamentos e terapia cognitiva comportamental são as armas disponíveis nessa luta.

É recomendável procurar um médico ou centro confiável, diz o pneumologista José Roberto Jardim, do Núcleo de Prevenção e Cessação do Tabagismo – PrevFu-mo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

— Nós esclarecemos sobre o cigarro, mas não colocamos medo de doença em ninguém. Estimulamos a mudança de comportamento. Se a pessoa está com vontade de fumar, que faça outra coisa, ligue para um amigo, até passar o pico de vontade —recomenda.

O ideal é nem começar a fumar, seja cigarro, cigarro eletrônico, charuto, cachimbo ou cigarro de palha. Daí a importância das campanhas de conscientização dos jovens e adultos, que precisam ser alertados das artimanhas da indústria do tabaco para convencer novos consumidores.

POLUIÇÃO

O tabaco, porém, não é a única fumaça que faz mal aos pulmões. A poluição do ar também é altamente nociva — e ainda mais complicada de evitar e combater. Estima-se que ela esteja associada com a mortalidade precoce de 7 milhões de pessoas por ano, o que é mais do que matam a diarreia e a malária somadas, de acordo com o médico patologista

Paulo Saldiva, professor da Universidade de São Paulo.

—Não há padrão de qualidade do ar seguro, assim como não há padrão de fumo seguro. Calcula-se que a exposição à poluição equivalha a dois a três cigarros por dia. Fumamos sem ter escolha. Pode parecer pouco, mas é o suficiente para aumentar os riscos de infecções respiratórias, infarto do miocárdio e cerebral, baixo peso ao nascer e câncer de pulmão —alerta.

Os ganhos para a longevidade, diz Saldiva, são palpáveis. Por exemplo: se a poluição do ar fosse reduzida em São Paulo até o padrão restrito estabelecido pela Organização Mundial de Saúde, a expectativa de vida aumentaria em dois anos e meio na cidade.

Ainda segundo o especialista, a adoção de medidas restritivas de emissão de poluentes geraria um ganho de tempo de descanso e trabalho perdidos em congestionamentos, seria benéfica para a saúde mental, e reduziria acidentes de trânsito. O efeito local é rápido.

CASA SEGURA

O controle ambiental doméstico se torna ainda mais importante por conta disso. Na descrição do alergista e imunologista Marcello Bossois, coordenador técnico do Brasil sem Alergia, somos os reis e rainhas das nossas casas. Por isso, devemos tomar cuidados para manter ameaças respiratórias da porta para fora.

Ácaros e mofo adoram umidade e se instalam em travesseiros e colchões. Forrá-los pode ser uma boa solução. No caso de alérgicos, é bom retirar tapetes, cortinas, carpete, edredons e bichos de pelúcia. Produtos de limpeza com perfumes irritantes devem ser substituídos por sabão de coco, vinagre e álcool 70%

O pneumologista André Nathan, do Hospital Sírio-Libanês , alerta também para os pássaros, que podem causar pneumonia de hipersensibilidade em alérgicos.

O ar-condicionado pode ser um aliado nas regiões mais quentes e úmidas, mas os filtros devem ser limpos semanalmente, e a manutenção preventiva deve ser feita a cada seis meses. A temperatura não pode ser inferior a 23o C ou 24o C.

No caso de locais muito secos, um umidificador é um aliado para evitar irritação das vias respiratórias, que podem virar doenças crônicas. Da mesma forma, a ingestão de líquidos lubrifica as vias respiratórias e elimina mais facilmente agressores dos pulmões.

Para a saúde pulmonar, valem duas máximas que servem para todo o corpo: tenha uma alimentação equilibrada e faça exercícios físicos. Como resume o pneumologista Bruno Baeta, da Rede D’Or, o controle do peso é fundamental:

—Sobrepeso e obesidade alteram a dinâmica respiratória. Esse acúmulo de gordura pode causar a síndrome da apneia do sono.

Quanto à alimentação, não há segredo ou fórmula mágica, dizem os médicos.

— Se a pessoa é saudável, tem uma boa alimentação, que traz as substâncias adequadas para o funcionamento dos sistemas imunológico e cardiovascular, ela vai estar protegendo o pulmão — resume o nutrólogo Celso Cukier, do Hospital Israelita Albert Einstein.

DIETA ESPECIAL

Com os doentes pulmonares, é diferente. Uma dieta pobre em carboidratos, por exemplo, pode ser interessante. Em casos mais graves, pode ser necessário escolher alimentos de digestão mais facilitada, para economia de oxigênio, além de complementação de vitaminas e minerais.

No caso dos exercícios, é pa-recido. Para quem não tem doença pulmonar, a recomendação é melhorar a capacidade cardiorrespiratória com exercícios aeróbicos – e não, não precisa necessariamente ser natação, como se acreditava antigamente. Pode ser caminhada, corrida, bicicleta, ergométrica, esteira.

Trabalhos de força, que mexam com os músculos do tórax, também são benéficos, segundo Fabio Cahue, master trainer da Body Tech. O acompanhamento profissional é sempre recomendável, mas no caso de pessoas com doenças respiratórias é essencial.

VIGOR NA RESPIRAÇÃO

Também não faz mal investir em exercícios respiratórios que mexam com o diafragma e ainda promovam relaxamento. No caso de quem tem asma, DPOC e outras doenças, eles são recomendáveis, seja na forma de práticas integrativas como meditação e tai chi chuan, seja usando técnicas mais tradicionais, como a fisioterapia. A reabilitação pulmonar aumenta a capacidade de encarar exercícios e fortalecer os músculos.

Isso serve também para quem está se recuperando dos efeitos da Covid-19, como mostra uma pesquisa em andamento coordenada pelo fisioterapeuta Yves de Souza, líder do Laboratório de Pesquisa em Reabilitação Pulmonar da Universidade Veiga de Almeida.

— Em seis semanas, a capacidade deles de fazer exercícios melhorou em pelo menos 55%, e o perfil de ansiedade e depressão diminuiu —revela Souza.

A esperança é que, pelo menos nos casos de Covid-19, uma vacina chegue logo para minimizar seu impacto. Hoje, a doença causada pelo coronavírus Sars-Cov-2 é um dos maiores vilões que pulmão humano pode enfrentar, na opinião do pneumologista Carlos Alberto de Barros, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro .

—Como o pulmão interage com o meio ambiente, precisamos nos proteger das infecções em geral. Num momento em que sofremos uma agressão grande com a Covid-19, sendo o órgão sua porta de entrada, ao surgir a vacina, convido a todos que querem defender o seu pulmão, o pulmão de seus pais, de seus filhos, de seus amigos e concidadãos, que se vacinem. É a única forma eficaz de proteger o aparelho respiratório e a população —clama.

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Inspire fundo e escolha sua prática 

Mariane Morisawa 

24/11/2020

 

 

O diagnóstico de asma foi um choque para o então bombeiro Lázaro Luiz Gomes, de 51 anos. Em suas palavras, ele não sabe fumar nem beber, não sabe dançar pagode nem jogar dominó. Mas, depois de décadas apagando incêndios, tinha, sim, engolido muita fumaça. Chegava a entrar na labuta meio-dia para combater o fogo e sair à meia-noite, sem nem beber água. Começou a sentir-se sem fôlego, e às vezes perdia a voz. Foi assim que procurou o projeto Brasil sem Alergia, na Baixada Fluminense, e descobriu que era asmático, uma doença que, na sua cabeça, era coisa de velho.

O tratamento veio com um convite para participar do coral Canto que Cura, criado pela organização. Gomes passou a fazer ensaios com um maestro e um fisioterapeuta, que ensinou exercícios respiratórios, aquecimento de voz, massagem no rosto. São os recursos que ele utiliza agora quando tem um episódio.

— Para o maestro, a crise asmática é um problema respiratório, mas acontece por causa das amarras da vida, dos ódios, das ranhuras. O canto tem a ver com libertar a alma disso. O asmático não pode ser ranheta. Por isso sou um sacana agora. Não quero é morrer — brinca, mas com seriedade.

NOVOS HÁBITOS

Soltar a voz, fazer yoga e cultivar práticas respiratórias estão entre as ferramentas complementares mais procuradas por quem quer manter pulmões saudáveis.

De acordo com o alergista e imunologista Marcello Bossois, coordenador técnico do Brasil sem Alergia, a iniciativa tem um primeiro objetivo bem pragmático: por meio da socialização, aumentar a adesão ao tratamento. Além do coral, suspenso por ora por conta da pandemia, o paciente asmático faz uso de medicamentos continuamente. O conjunto foi criado a partir de experiências na Inglaterra e nos Estados Unidos.

—É como se fosse um grupo de autoajuda mesmo, um acaba dando força um para o outro não esquecer a medicação e fazer os trabalhos respiratórios. O cantar fortalece muito a musculatura diafragmática, e isso favorece a captação e eliminação do ar. O paciente aprende novamente a respirar. Todo o mundo que participa do coral melhora —assegura.

No caso de Gomes, o diagnóstico e a participação no coral levaram a uma série de mudanças no estilo de vida, da aposentadoria a longas caminhadas, passando por alterações na dieta — hoje ele prefere ovos caipiras, por exemplo —, mudança para uma área mais verde e até uma separação. Para ele, era se cuidar ou morrer, especialmente após perder uma irmã para a Covid-19. Sua saúde ficou em primeiro plano.

Fazer da pessoa uma participante ativa de sua saúde é o objetivo. Na abordagem tradicional contemporânea, o paciente fica apenas numa situação passiva, tomando o remédio para dilatar os brônquios. Na abordagem integrativa, que foca na visão integral do corpo humano, o autocuidado e o autoconhecimento são quase obrigatórios, segundo Denise Tiemi Noguchi Maki, pediatra e integrante da equipe de medicina integrativa do Hospital Albert Einstein, de São Paulo.

— A pessoa vai começar identificando seus gatilhos. Se ela puder usar algumas estratégias mais naturais e seguras, por que não? Se fizer um exercício de respiração que lhe traga calma e ative a resposta de relaxamento, seu corpo vai se beneficiar. O meu convite é prestar atenção na sua respiração. Isso pode dizer muito sobre como você está —afirma.

FÔLEGO AMPLIADO

Um dos grandes sintomas da ansiedade é o fôlego curto e a sensação de falta de ar. Para quem tem algum problema respiratório, é ainda pior. O foco na respiração amplia a complacência pulmonar  e permite a utilização de toda a capacidade de expansão do órgão.

Práticas como meditação, yoga, mindfulness e tai chi chuan também são benéficas. A professora de ensino superior Inessa Laura Salomão, de 44 anos, é uma prova. Asmática e fumante há 25 anos, ela sofre com a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Por causa da Covid-19, está fazendo uma nova tentativa de parar com o cigarro. Acredita só ter conseguido por causa da meditação transcendental e do yoga, que passou a praticar toda semana.

— Não tenho vontade de fumar e sinto minha respiração melhor. Minha ansiedade melhorou, tanto que não faço mais o uso da bombinha de resgate —conta.

A fisioterapeuta respiratória e professora Kenia Maynard usa recursos como o tai chi chuan, o lian gong (definido como mindfulness corporal), além da meditação, para auxiliar pacientes pulmonares graves .

— A gente consegue reduzir de forma muito boa o estresse dessas pessoas, que sabem que vão morrer em poucos anos. No momento em que o estresse diminui, melhoram os sintomas, e o paciente pode desfrutar de uma qualidade de vida melhor —explica Maynard.

Os benefícios já foram comprovados inclusive para pessoas saudáveis. A atriz e desenvolvedora web Viviane Humpheys Fernandes Miranda, 28 anos, é um exemplo. Ela faz yoga com ajuda de um aplicativo.

—Percebi progresso na estrutura muscular, tenho mais disposição e estou respirando melhor. Tenho diagnóstico de ansiedade e senti melhora —atesta.

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Depois do drama, Manaus espalha autocuidado

24/11/2020

 

 

As imagens de novas covas sendo abertas e as cenas de desespero nos hospitais em colapso em Manaus, uma das mais atingidas pela Covid-19, abalaram os habitantes da cidade. Para aqueles que lutaram contra a doença, além do trauma, muitas vezes restaram sequelas físicas. Para ajudar na reabilitação, o município está oferecendo práticas integrativas como meditação, yoga e reiki em sete unidades de saúde.

Fsioterapeuta responsável pelas Práticas Integrativas e Complementares na Secretaria Municipal de Saúde de Manaus, Gabriela dos Santos diz que esses procedimentos atuam em duas frentes: a emocional e a física.

—O pulmão de quem teve Covid-19 fica muito comprometido, e a recuperação é lenta, mesmo depois da fase de transmissão. É importante deixar claro que essas práticas são complementares ao tratamento médico, mas trabalham a ansiedade e ajudam na recuperação do sistema respiratório com exercícios —explica.

A secretaria já tinha algumas iniciativas na área desde 2010, mas apenas no mês de abril deste ano foi aprovada a Política Municipal de Práticas Integrativas e Complementares. Com o início da pandemia, uma servidora pediu ajuda à equipe para lidar com a pesada carga emocional do atendimento das pessoas que contraíram a doença.

O grupo preparou materiais educativos, criou uma lista para recebimento de reiki à distância e fez vídeos de yoga, meditação e alongamento. Assim que as coisas se acalmaram um pouco, em agosto, o serviço começou a funcionar de forma presencial, tanto para pessoas em recuperação quanto para o público em geral.

Nessa abordagem integrativa, o processo saúde/doença é visto de maneira diferente. O foco é na saúde, ou seja, a pessoa deve adotar rotinas que promovam o bem-estar geral. Por isso, a palavra-chave é o autocuidado, segundo Gabriela dos Santos.

— As práticas procuram desenvolver na pessoa a responsabilidade de cuidar de si mesma. Não adianta tratar só no momento da doença e depois voltar aos hábitos antigos —resume.

Para os moradores de outras cidades, é bom lembrar que o SUS oferece 29 procedimentos de Práticas Integrativas e Complementares (Pics). Basta conferir se estão disponíveis no município.(M.M.)