Correio braziliense, n. 20993, 15/11/2020. Política, p. 6

 

A votação mais atípica da história

Jorge Vasconcellos 

Wesley Oliveira 

15/11/2020

 

 

Nas eleições mais atípicas do período de redemocratização, cerca de 147 milhões de brasileiros estão aptos a votar, hoje, para prefeitos e vereadores em 5.566 municípios. As disputas ocorrem com o país tomado pela pandemia da covid-19 e eleitores pressionados pelos reflexos econômicos e sociais no seu dia a dia — a inflação subiu, a recessão continua e o desemprego é recorde. As votações são marcadas, também, por forte polarização política, com prejuízos para as decisões necessárias à retomada do emprego e do desenvolvimento. As dificuldades impostas pela crise sanitária levaram os temas nacionais para as campanhas municipais. O resultado das urnas poderá ser um termômetro importante para medir o poder das forças políticas que já estão de olho na corrida eleitoral de 2022.
Em meio a uma série de outros diferenciais, as votações de hoje mostrarão os resultados de campanhas que tiveram de ser radicalmente adaptadas em razão da pandemia, com o uso maciço da internet pelos candidatos para garantir o contato com os eleitores. "Estas são as eleições mais diferentes na história eleitoral da Nova República, porque tiveram o calendário adiado e porque têm uma gramática nova. A proibição de aglomerações significa a proibição das grandes manifestações de campanhas, limitar o entusiasmo dos eleitores e o corpo a corpo dos candidatos", diz ao Correio o cientista político Antônio Lavareda. "Essas eleições são travadas, também, num quadro de crise sanitária e econômica, o país tendo o seu PIB (Produto Interno Bruto) recuando 5% neste ano, e num quadro de forte polarização política."

Reeleição
As eleições deste domingo reúnem mais de 540 mil candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador. Desses, um número superior a 24 mil disputa a reeleição, segundo a Justiça Eleitoral. Além de escolherem o melhor candidato, os eleitores estão preocupados com o risco de infecção nas seções eleitorais. Por essa razão, há a expectativa de índice de abstenção na casa dos 30% (leia reportagem na página 11).

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou, recentemente, que não se pode dizer que haverá uma "segurança absoluta" em relação à covid-19 na votação, por tratar-se de uma doença causada por vírus que se propaga facilmente. Segundo ele, a única medida 100% eficaz seria não haver eleições. Porém, o TSE descartou adiar a votação para 2021, por avaliar que não há garantia de que a situação da pandemia estará melhor até lá. Diante disso, Barroso assegurou que foram tomadas medidas para minimizar os riscos, como a obrigatoriedade do uso de máscaras e do distanciamento social.
Monitoramento do Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral mostra que, de 41 eleições realizadas, neste ano, em diferentes países, 26 (63% do total) registraram aumento na abstenção na comparação com pleitos anteriores. No Brasil, especialistas acreditam que também haverá um crescimento no número de ausentes, justamente por causa da pandemia.

"Acredito que o eleitor acabará fazendo aquele cálculo de se vale a pena sair de casa, considerando o efeito pequeno do seu voto individual no resultado da eleição. Somando a pandemia com o desalento das pessoas em relação à política, a minha expectativa é de que aumente muito o não comparecimento", frisa o cientista político Ivan Marques Botelho.

Nas eleições municipais de 2016, mais de 25 milhões de eleitores não foram às urnas no primeiro turno (17,6% do total de brasileiros aptos a votar). Para Botelho, o crescimento no número dos faltosos poderá impactar no resultado de alguns pleitos. "Em cidades onde o cenário está muito embolado, se muita gente acabar não indo votar, o resultado, muitas vezes, poderá ter um desfecho muito apertado."

Como alternativa para reduzir as aglomerações e encorajar os eleitores a votar, o TSE decidiu que a eleição terá início uma hora mais cedo do que o normal, às 7h, e reservou as três horas iniciais de votação como preferenciais para eleitores acima de 60 anos, que integram o grupo de risco para a covid-19. O horário de encerramento, porém, foi mantido às 17h.

Macapá
Com o apagão de energia elétrica que vive a maior parte do estado do Amapá, há mais de 10 dias, Macapá teve as eleições adiadas pela Justiça Eleitoral. A capital concentra 56% dos votantes de todo o estado. Com isso, apenas 44% dos eleitores da unidade federativa (224.384 mil) estarão aptos a votar hoje.

A Justiça Eleitoral do Amapá decidiu por transferir a data da votação para 13 de dezembro. Em caso de segundo turno, o pleito será em 27 de dezembro. As datas ainda precisam ser avalizadas pelo TSE.

Mesmo com a suspensão na capital, outras 12 cidades que ainda sofrem com o apagão e estão sob rodízio de energia terão 100% do fornecimento durante a votação, anunciou a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). A distribuidora explicou que, pelo fato de ser um domingo, já há uma redução natural no consumo e, com medidas de restrição de atividades por causa da crise sanitária, será possível garantir o abastecimento nas cidades, reduzindo a carga destinada para Macapá.