Correio braziliense, n. 20993, 15/11/2020. Brasil, p. 12

 

Voto com medidas de segurança

Vera Batista 

15/11/2020

 

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá inúmeros desafios nas eleições municipais de 2020 diante da crise sanitária e uma provável segunda onda de infecção pelo novo coronavírus, que já deu as caras na Europa e nos Estados Unidos. O TSE quer que aos eleitores compareçam às urnas hoje. Já os especialistas da saúde manifestam preocupação e pedem cautela na hora de deixar a quarentena para exercer o papel de cidadão. Em oito meses de pandemia, o país registra mais de 165 mil mortes e 5,8 milhões de infectados por covid-19.

Segundo a médica Eliana Bicudo, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), os brasileiros estão, sim, seguros para sair de casa neste domingo, "se mantiverem as regras estabelecidas pelas autoridades de saúde, como distanciamento de, pelo menos, um metro, uso de máscaras e evitarem aglomerações". Mas isso, lamenta, "é justamente o que a gente não está vendo". Nesse contexto de desobediência, a infectologista coloca a responsabilidade para que tudo ocorra dentro da normalidade nos ombros do Tribunal.

"Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil, temos a Justiça Eleitoral, cujo papel é de conter os ânimos. Esperamos que isso aconteça. Eleição é uma questão de saúde pública, de Justiça e de polícia", reforça Eliana.

Alexandre Naime Barbosa, chefe do departamento de infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e também consultor da SBI, destaca que é ferrenho defensor do comparecimento às urnas e totalmente contra a prática da abstenção. "Mas, é impossível avaliar os resultados do pleito do ponto de vista dos riscos de contaminação", assinala.

Para Naime Barbosa, os cuidados exigidos pelas autoridades, amplamente divulgados, devem ser seguidos. "O Brasil é enorme e sem padrões. Em um mesmo shopping, por exemplo, vê-se lojas que impõem restrições, outras, não. Então, é uma incógnita. Não podemos abrir mão do total controle, não só nas zonas eleitorais como nos ambientes públicos. O voto é um dever cívico importante. Principalmente neste momento em que gestores são contra a saúde e a ciência, tornou-se ainda mais importante que as pessoas compareçam e mudem a realidade", reforça o infectologista.

Plano sanitário
Em setembro, o TSE lançou o Plano de Segurança Sanitária para as eleições municipais de 2020 com a consultoria de especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e dos hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, anunciou os protocolos para eleitores e mesários, de modo a impedir que o pleito seja um vetor de propagação do novo coronavírus no Brasil, a quarta maior democracia do mundo, com mais de 147 milhões de eleitores.
As orientações foram apresentadas na campanha "Vote com Segurança" pelas emissoras de rádio e televisão. "Convocamos os eleitores a participarem desse momento relevante para a democracia com muita responsabilidade, tomando todos os cuidados sanitários indicados", destacou Barroso.

Os reiterados apelos de presença maciça dos eleitores às urnas, afirmam especialistas, revelam um temor de que a sociedade, num movimento de repúdio à política, não perceba o que tem por trás do alto número de abstenções no país. "Há uma intimidação velada para que os mais vulneráveis não se sintam à vontade para fazer do país um porto seguro para ciência, educação e o politicamente correto, pelo clima de ódio que predomina", afirma um técnico de saúde que não quer ser identificado. Ele conta que, em vários municípios, em grupos de WhatsApp, pessoas que não querem a vacina e fazem aglomerações, contrariando as medidas de segurança, ameaçam amigos, conhecidos, colegas de trabalho e adversários políticos que ousarem sair de casa.