O Estado de São Paulo, n.46320, 12/08/2020. Internacional, p.A17

 

Entrevista - Michel Temer: "Convite indica uma mudança na política externa do Brasil"

Michel Temer

Paulo Beraldo

12/08/2020

 

 

Temer diz acreditar que o presidente Bolsonaro está começando a trilhar o caminho do multilateralismo

Origens. Ex-presidente Michel Temer: a caminho do Líbano a convite de Jair Bolsonaro

O ex-presidente Michel Temer disse que ficou surpreso e honrado com o convite do presidente Jair Bolsonaro para que coordenasse a ajuda humanitária do Brasil ao Líbano. Temer acredita que a missão ajudará a melhorar a imagem internacional do País. Em entrevista ao Estadão, ele disse que o convite representa uma mudança na política externa do governo Bolsonaro, que estaria finalmente caminhando para uma diplomacia multilateral.

Os libaneses querem apoio econômico e investimentos. Até onde vai a margem para o sr. tratar disso?

Posso dizer que, além das 6 toneladas (de mantimentos) no avião e das 4 mil toneladas de arroz por via marítima, em todo o Brasil tem gente querendo contribuir. Além daquilo que está chegando, poderá ir um novo carregamento. O outro ponto é que, como tenho boas relações com as autoridades, vou ver se converso um pouco sobre a possibilidade de o Brasil ajudar diplomaticamente na intermediação de acordos. Está muito tumultuada a política lá. Brasil e França são os que mais têm vínculos com o Líbano e talvez pudessem ajudar no diálogo.

O sr. e o presidente Bolsonaro parecem mais próximos. Como está a relação de vocês?

O presidente Bolsonaro nunca criticou o meu governo, pelo contrário. Em várias oportunidades, eu o via dizendo: 'Se não fosse o Temer ter feito a reforma trabalhista, ter enfrentado a previdência'. Então, ele sempre fez referências elogiosas ao meu governo. Segundo ponto: não tenho tanto contato com ele. Tive uns três contatos ao longo do tempo. Ele deve ter ouvido entrevistas em que dou palpites. Digo: 'Olha, aquela coisa de falar na saída (do Alvorada) não é boa, porque é a palavra do presidente faz a pauta do dia'. Creio que, às vezes, ele possa ter levado isso em conta. Mas é um contato cordial, tanto que ele me convidou. Aliás, é uma coisa muito típica nos EUA. Não é incomum que presidentes peçam para ex-presidentes realizarem missões humanitárias.

Em entrevistas, o sr. sempre evitou fazer críticas a Bolsonaro e adotou um tom diplomático.

Tenho como método fazer observações com cautela. Ex-presidentes, ao meu modo de ver, devem ser discretos com relação ao presidente. Se não você não ajuda o País. Eu faço observações, críticas, muitas vezes, mas a título de colaboração, não de oposição.

O sr. acredita que Bolsonaro mudou um pouco sua posição com relação ao início do governo?

Esse convite para o sr. é uma sinalização nesse sentido? Pode ter sido. Certamente, deve ter passado por ele a ideia de que fui um ex-presidente que teve boa relação com o Congresso, com o Judiciário e sou descendente de libaneses.

Como o sr. avalia a política externa do governo?

O gesto do presidente Bolsonaro designando um ex-presidente e dando ajuda humanitária ao Líbano é uma mudança na política externa, convenhamos. Especialmente voltada para um país árabe. Segundo ponto: eu sempre sustentei a necessidade do multilateralismo. Precisamos nos dar bem com todos os países. Veja que nossos principais parceiros são China e EUA. Eu fazia na ONU aqueles discursos de abertura (da Assembleia-geral) e sempre enfatizava a ideia do multilateralismo, nunca do isolacionismo. Tenho a impressão de que o presidente Bolsonaro está começando a trilhar esse caminho.

O sr. acredita que essa ação no Líbano melhora a imagem externa do Brasil?

Acho que contribui muito. Mas é preciso que o governo libanês esteja de acordo com isso, para fazermos essa intermediação. É um mero oferecimento, nada mais do que isso. O Brasil tem de descendentes o dobro de habitantes do Líbano. Então, temos toda a razão para imaginar um Líbano pacificado. Se pudermos colaborar com isso, muito bem. Teria um efeito externo positivo.

Como recebeu a decisão do juiz Marcelo Bretas, que o liberou para a viagem?

Eu tinha certeza que ele autorizaria imediatamente, como autorizou. Nas vezes anteriores, fui convidado para falar em Oxford. Ele negou em um primeiro momento, mas o tribunal deu autorização. Depois, fui falar em Salamanca e em Madri. Ele também negou, mas o tribunal autorizou. Quando vou, falo bem do Brasil, divulgo o país. Nessa hipótese, como se tratava de uma situação humanitária e politicamente importante, ele deferiu imediatamente.

Intermediação 

"Vou ver se converso um pouco sobre a possibilidade de o Brasil ajudar diplomaticamente na intermediação de acordos. Está muito tumultuada a política lá (no Líbano)."

Michel Temer

 EX-PRESIDENTE DO BRASIL