Título: Quem disse que seria fácil?
Autor: Iracema Dantas*
Fonte: Jornal do Brasil, 11/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

O Fórum Social Mundial, cuja quinta versão encerrou-se dia 31 de janeiro último, em Porto Alegre, carrega em si mesmo uma tarefa que não estamos tão acostumados: construir de forma coletiva alternativas de mudança. Mais fácil seria se pensantes da humanidade se reunissem para nos apontar o que é ''melhor para todos e todas''. Mais fácil seria decidir sobre como salvar o planeta - e as pessoas junto - em reuniões em salas climatizadas. Mas não seria esse o estilo Davos, onde se realiza anualmente o Fórum Econômico Mundial? Não é justamente por causa dessas decisões vindas de cima para baixo que protestamos?

Obviamente, quem esteve na capital gaúcha sofreu com o calor infernal que tomou conta da cidade. Claro que não é prazeroso caminhar sob o sol de mais de 40 graus, mesmo que seja às margens do rio Guaíba. Motivo para reclamar? Depende do ponto de vista.

As variações climáticas há muito vêm sendo denunciadas pelos movimentos ambientalistas como um dos grandes riscos para a humanidade. Nunca tivemos notícia de um calor tão intenso e duradouro no Sul do país (quase dois meses sem chuva). Enquanto isso, no Rio a temperatura chegou, naquela última semana de janeiro, a 17 graus, sem falar das chuvas que inundavam a cidade. Será que tudo isso não tem a ver com a necessidade de os países (especialmente os mais ricos e poluentes) cumprirem o Protocolo de Kyoto? Pronto! O calor de Porto Alegre não é mais motivo para reclamações, mas sim uma causa para a sociedade civil organizada pressionar os governos para que cumpram o acordo, que, aliás, entra em vigor este ano.

Esse é só um exemplo de como a energia do FSM pode nos contagiar - desde que estejamos dispostos(as) a participar da construção coletiva de novos caminhos para o planeta. Não queremos gestar modelos, mas sim caminhar - transformando - em busca de alternativas que levem à humanidade, à justiça, à paz e a todos os direitos, não apenas os básicos.

Tirar o Fórum Social dos imponentes e excludentes prédios da PUC (Pontifícia Universidade Católica, onde se realizou nos anos anteriores) e levá-lo para o Centro da cidade de Porto Alegre, com todos os problemas de uma região metropolitana em um país tão desigual, foi um ganho enorme. A violência, o desemprego, a exclusão, o racismo deram as caras no FSM, juntamente com as bandeiras da paz, da economia solidária, do consumo responsável, do respeito à opção sexual e à tolerância religiosa. Um choque de realidade que há muito era necessário e que traz enormes desafios para as organizações que promovem o Fórum.

Outra mudança positiva foi ver que, após cinco anos de muito bate-cabeça, as organizações envolvidas no FSM enfim entenderam que não se muda o mundo falando em guetos, falando para poucos ou apenas para formadores (as) de opinião. A opção de pensar estrategicamente a comunicação fez com que pela primeira vez as mídias comercial e alternativa tivessem a devida importância política. Nenhuma das duas foi tratada de forma rancorosa ou negligenciada. A agenda positiva gerada pelo FSM não teve como não ser notícia: campanhas, estudos, pesquisas e opiniões tiveram um significativo eco na imprensa em geral. Por outro lado, a mídia alternativa, com sua extensa rede de comunicadores(as) e educadores(as) populares, foi vista como instrumento político de mudança do mundo.

Essas são apenas algumas impressões de um processo tão complexo quanto seu objetivo de transformar coletivamente o mundo. Entender o FSM é mesmo difícil e exige muito mais que disposição física. Superar tantos obstáculos, que vão de condições climáticas à variedade de idiomas que ouvimos em Porto Alegre requer engajamento e participação. Outro mundo, sim, é possível; mas quem disse que seria fácil?

*Iracema Dantas é coordenadora de Comunicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)