Título: Orçamento provoca disputa de poder
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 28/02/2005, País, p. A3

Proposta de mudança na Constituição garante liberação de emendas apresentadas por deputados e senadores

Se o discurso dos parlamentares se transformar em realidade, o Orçamento da União passará por uma ''revolução'' neste ano, conforme expressão cunhada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao tomar posse no cargo no último dia 15. O diagnóstico diz que a lei orçamentária é mera peça de ficção, pois não é executada tal qual aprovada. Além disso, o seu sistema de elaboração está falido, resulta em gastos de má qualidade e dá margem a barganhas e fisiologismo. Resta definir as medidas que serão adotadas para solucionar o problema. Uma delas voltou a ser discutida na semana passada. Trata-se de uma proposta de emenda constitucional de autoria do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). O texto diminui o viés existente sobre o assunto em favor do Executivo, e em detrimento do Legislativo, como destacou o parlamentar, resumindo a disputa entre os dois poderes pela definição do uso dos recursos públicos.

A proposta torna obrigatória a execução da lei orçamentária, que hoje pode ou não ser cumprida pela equipe do presidente da República. E, como conseqüência, garante a liberação de emendas de deputados e senadores incluídas no Orçamento, independentemente de negociações políticas com o Palácio do Planalto. No ano passado, a Câmara ficou mais de dois meses sem votar projetos em plenário por problemas no desembolso de emendas individuais dos deputados.

- Todos sabemos que a liberação das emendas do Orçamento e o atendimento dos nossos justos pleitos são direitos inerentes ao mandato que não podem ser utilizados como aviltante moeda de troca a cada votação - disse no discurso de posse o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), outro defensor do chamado orçamento impositivo.

Representantes do governo, entre eles o ex-ministro do Planejamento Guido Mantega e o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, já se manifestaram contrários à proposta. Eles dizem que a mudança, se implementada, acabará com a possibilidade de a equipe econômica decidir de forma livre pelo menos sobre uma pequena parcela de recursos que não tem destinação obrigatória.

No universo de despesas primárias - que incluem, entre outros, transferências constitucionais e custos com pessoal - quase 90% seriam impositivas e teriam de ser executadas. Para Mantega e Levy, a adoção do orçamento impositivo, nos moldes sugeridos, se constituirá na pá-de-cal de um processo de engessamento.

- Sou favorável ao orçamento impositivo para investimento e despesa continuada. Mas para custeio não tem sentido - afirmou o relator do Orçamento da União de 2005, senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Mantega e Levy também discordam do dispositivo da proposta que sujeita contigenciamentos do orçamento, como o de R$ 15,9 bilhões anunciado na última sexta-feira, à aprovação do Congresso. A medida é inspirada em ato editado em 1974 nos Estados Unidos. Dois anos antes, o então presidente norte-americano Richard Nixon foi ameaçado de impeachment pela Suprema Corte por anunciar contigenciamento sem a concordância do Parlamento.

- O orçamento já vem com o lobby feito, as decisões tomadas. Dois ou três membros do governo não podem ficar acima da nação - declarou o senador Pedro Simon (PMDB-RS).

O colega de partido Ramez Tebet (MS) compartilha da mesma opinião. Ele conclamou os senadores a reagir à atitude ''imperial'' do Executivo, que corta o Orçamento sem negociar com os parlamentares. Interlocutores do bloco de apoio ao governo também manifestaram apoio ao orçamento impositivo, mas apresentaram emendas à proposta, fazendo com que ela retornasse à CCJ. Uma delas torna obrigatória a execução dos orçamentos também das unidades da federação e dos municípios. Outra estabelece a implementação progressiva da nova sistemática, cabendo a uma lei complementar definir como será a fase de transição.

- Sem saber que progressividade é essa, é mera protelação. Vou pedir uma nova CPI se o orçamento impositivo não andar. E não será para pegar os anões, mas os gigantes - ameaçou o senador ACM.

Vice-presidente do Senado, Tião Viana (PT-AC) rechaçou a hipótese de as emendas terem sido usadas para adiar a votação da proposta e ratificou o apoio do bloco governista ao cerne da proposta.

- O senhor terá a minha assinatura - respondeu Viana ao pefelista, referindo-se à eventual tentativa de instalação de nova uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre orçamento.

Pela proposta em análise, a não-execução do Orçamento é crime de responsabilidade, que tem impeachment como pena prevista. A inclusão de novas programações no Orçamento só é permitida depois de contempladas com recursos as que já estão em andamento.