O globo, n.31888, 26/11/2020. Economia, p. 34

 

Desigualdade de renda é ainda maior entre brancos e negros

Raphaela Ribas 

26/11/2020

 

 

A renda média das famílias brasileiras chefiadas por brancos é cerca de 86% maior que a daquelas lideradas por pessoas pretas ou pardas. Enquanto nas primeiras a renda disponível é de 2.241,80, no segundo grupo o valor cai para R$ 1.206,76.

Os dados estão na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, divulgada ontem pelo IBGE, e mostram mais uma faceta da desigualdade no país. O problema chama a atenção em outras comparações. Os 10% mais ricos gastam, em média, 19 vezes mais que os 10% mais pobres.

Uma das explicações da POF para o abismo é que brancos têm mais acesso à escola e ao ensino superior e, com isso, conseguem salários mais altos. Ainda assim, pesquisas mostram desvantagens para pretos e pardos em relação aos brancos com igual formação.

A pesquisa também revela que 42,5% da renda da parcela dos 10% mais pobres não chegam em forma de dinheiro. São doações de cestas básicas, remédios distribuídos pelo governo, assim como acesso a escolas e sistema de saúde público. Formam a chamada renda não monetária.

É que o acontece, por exemplo, na casa da faxineira Lilia Siqueira, de 37 anos. Sem conseguir trabalho por causa da pandemia, ela tem se virado com a ajuda de familiares e do governo para pôr comida na mesa que divide com os quatro filhos e o marido, em Campo Alegre, Nova Iguaçu.

Financeiramente, além do salário dele, de onde vem parte do sustento, a renda familiar é complementada com o Bolsa Família e o cartão-alimentação dos filhos. Vez ou outra, recebem doações e ajuda que não são em dinheiro, como a casa onde moram agora, que foi emprestada por parentes.

— Vivemos preocupados, com tanta criança, e as coisas subiram muito, ficou tudo muito caro. Não sobra dinheiro para muita coisa. A gente tem ajuda, mas é pouca. Da rede pública, só o remédio de pressão alta. Se ficar doente ou precisar de remédio, é complicado —desabafa.

PESO DA HABITAÇÃO

Em 2018, quando a pesquisa foi feita, a renda monetária da família de Lilia ainda era muito maior do que a recebida por ajuda. De lá para cá, a história mudou, e não foi só para ela. Com a pandemia, a dependência de doações e serviços públicos aumentou para todos. Considerando toda a população, independentemente da classe social, quase um quarto da renda não provém de dinheiro.

Pelas contas do IBGE, a renda média da população brasileira é de R$ 1.650,78. No cálculo, entram os rendimentos monetários e aqueles que não envolvem dinheiro (como doações e uso de serviços públicos de saúde), menos os impostos.

No lado da despesa, a habitação é a que abocanha a maior parte dos recursos, seguida por transporte e alimentação. Quanto mais rica a família, maior o peso dos serviços de comunicação, como TV a cabo, internet, telefone fixo e celular, no item moradia. Na outra ponta, das famílias mais pobres, os custos mais relevantes são com serviços essenciais, como gás (encanado ou botijão), água e esgoto, e energia elétrica. No recorte por raça, brancos gastavam uma média de R$ 644,31 com moradia, e pretos e pardos, R$ 330,72.

O economista da FGV Ibre Daniel Duque destaca que, na POF, a população mais pobre afirma que o que ganha por mês não é suficiente para sobreviver. E que no ano que vem, quando acaba o auxílio emergencial, a situação vai piorar.

—A partir de janeiro, sem a ajuda do governo e com o desemprego em alta, a situação de quem depende do que é gratuito vai ficar mais difícil.

A POF também destaca que 64,4% dos brasileiros moravam em casas onde ninguém tinha plano de saúde. Em 17,4% das famílias, pelo menos uma pessoa tinha plano, e em apenas 18,1% delas todos contavam com o serviço.