Título: A crise americana e nós
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 11/09/2008, Opinião, p. A9

Tudo indica que a crise americana ainda vai dar muita dor de cabeça ao Brasil. A bolsa de valores brasileira é altamente dependente de commodities, e nosso mercado acionário, de capitais externos atraídos por altos juros. Isso mantém nossa moeda super valorizada, mas agora ela enfrenta o risco de desvalorização por causa da saída abrupta de capitais e da queda dos preços das commodities no mercado internacional.

É ruim para o país precisar de um mercado de capitais forte e ver-se prisioneiro dos altos juros e das incertezas do mercado acionário. Seus empresários têm que apelar para o BNDES e para o Banco do Brasil, cujos juros, na prática, são subsidiados pelo Tesouro ou pelo FGTS.

Nada indica que teremos uma solução a curto prazo nos Estados Unidos, apesar do corte nos juros e nos impostos, e do pacote de US$ 200 bi para as duas maiores agências hipotecárias do país, Freddie Mac e Fannie Mae. Parece que não foi suficiente. Afinal, as perdas no setor já chegam a US$ 500 bi. Os ativos continuam se desvalorizando, hipotecas e ações derretendo, o desemprego aumentando, a confiança do consumidor caindo e a inflação subindo. Esse clima de queda em tudo mantém-se, apesar do crescimento econômico de 3,3% no último semestre, bastante dependente do dólar desvalorizado e do aumento das exportações.

Os reflexos no mundo são amplos. Vão desde a Irlanda até ao Japão, atingindo todas as economias do G-7. E a situação só não é pior porque os bancos centrais (BCs) da Europa e do Japão também socorreram seus mercados. Não fossem os chamados Brics (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China), especialmente a China, o mundo já viveria uma recessão sem precedentes.

Mas, tudo indica que esses países ¿ com exceção do Brasil ¿ não estão dispostos a seguir a cartilha ortodoxa. Eles têm adotado medidas para incentivar o crescimento e manter a demanda interna. Mesmo com a queda das exportações e os problemas enfrentados com a alta do petróleo, que afeta mais a Índia e a China.

O Brasil deveria olhar muito mais seus irmãos do bloco dos Brics e não tanto para Nova York ou Londres. A política econômica deveria ser toda direcionada no sentido de incentivar e manter o crescimento do nosso mercado interno, do emprego e da renda, do aumento dos investimentos públicos e privados, e da aceleração das concessões no setor de infra-estrutura. Também deveria ter, como motor básico, a garantia da integração com a América do Sul e a ampliação do comércio com a Ásia. Essas são as alternativas para o Brasil não correr o risco de deixar de ser um Bric.

Precisamos acreditar que seremos capazes de abastecer nossa economia de insumos e matérias primas, de energia e mais produção agrícola e industrial, de investir no desenvolvimento urbano, e que vamos solucionar nossos pontos de estrangulamento na educação e na infra-estrutura. Para isso é necessário aumentar os investimentos públicos, e não ampliar o superávit ou criar um Fundo Soberano que, na verdade, não passa de um fundo de estabilização, já que não vai nem financiar empresas no exterior e nem capitalizar o BNDES.

Precisamos aprender, e rápido, com os Estados Unidos. Chega de PIB potencial e de restrições ao crédito. Basta de ortodoxia, da atual política de juros altos do BC, e de restrições ao crédito e à demanda. Precisamos, antes que seja tarde, nos preparar para a crise que virá. E preparar-nos crescendo, sustentados no mercado interno e no aumento dos investimentos. É a única forma que temos para escapar dos efeitos de uma recessão no G-7, que inevitavelmente nos atingirá. A Bovespa dos últimos dias que o diga.