O Estado de São Paulo, n.46323, 15/08/2020. Metrópole, p.A25

 

Anvisa nega acesso facilitado à cloroquina

Felipe Resk

15/08/2020

 

 

Agência desmente anúncio de Jair Bolsonaro de que basta receita simples para comprar tanto o medicamento como a invermectina

Insistência. Bolsonaro é contumaz defensor da cloroquina, mesmo sem eficácia provada

Um dia após o presidente Jair Bolsonaro anunciar que vai facilitar o acesso a hidroxicloroquina e ivermectina, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou ontem que não houve alteração na regra de compra dos medicamentos e ainda é preciso apresentar receita dupla nas farmácias e drogarias. Mesmo sem eficácia comprovada para o novo coronavírus, os remédios são defendidos pelo presidente no tratamento da doença.

Na quinta-feira, Bolsonaro afirmou que, a partir de agora, seria preciso apresentar apenas receita médica simples para fazer a compra, não sendo mais necessária a retenção da via. "O presidente da Anvisa acabou de confirmar a informação sobre a hidroxicloroquina e a ivermectina. Você já pode comprar com uma receita simples, caso o seu médico recomende para você, obviamente", disse, durante a transmissão semanal que faz em suas redes sociais.

Questionada, a Anvisa afirma não ter havido alteração na regra até o momento. De acordo com a agência, o regulamento válido é a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 405/2020, publicada no dia 23 de julho, no Diário Oficial da União. Por ele, o paciente é obrigado a apresentar as duas vias da receita médica, devendo a primeira ficar retida na farmácia.

Ainda segundo o texto da resolução, a medida só será revogada quando a situação de emergência em saúde pública for considerada superada pelo Ministério da Saúde. "O regulamento unificou as regras de controle específicas para a prescrição de cloroquina, hidroxicloroquina, nitazoxanida e ivermectina", afirma a Anvisa, em nota. "A norma tem por objetivo coibir a compra indiscriminada desses medicamentos, que têm sido amplamente divulgados."

A cloroquina e a hidroxicloroquina são usadas para doenças autoimunes, como lúpus ou malária. Já ivermectina e nitazoxanida tratam doenças parasitárias em seres humanos.

Para tentar garantir o estoque a pacientes que necessitam dos fármacos por outras doenças, a Anvisa havia publicado a Resolução 351/2020, em março, que passou a exigir a prescrição médica, em receita especial, para medicamentos à base de cloroquina ou hidroxicloroquina.

Propaganda. Mesmo sem comprovação científica de sua a eficácia da cloroquina para curar ou prevenir o coronavírus, o medicamento é propagandeado pelo presidente e por outros integrantes do governo.

Na última live, Bolsonaro afirmou ter usado cloroquina após contrair covid-19 e relatou que "12 horas depois estava com sintomas curados". Na mesma transmissão, entretanto, ele admitiu que pode ter sido apenas uma "coincidência", já que pesquisas indicam que a maior parte das pessoas que contraem o vírus não apresenta sintomas.

Ainda assim, o presidente voltou a mostrar uma caixa de cloroquina e a defender o medicamento, ponderando que é preciso ter prescrição médica para o uso. Bolsonaro rebateu as críticas de que o Exército produziu cloroquina em excesso.

"Alguns estavam criticando que o presidente mandou o Exército fabricar comprimidos e estamos com uma reserva de 4 milhões. É mais ou menos isso que tem, mas o nosso consumo anual da hidroxicloroquina para malária, lúpus, artrite reumatoide, dá 3 milhões de comprimidos por ano. Nada vai ser jogado fora. Tudo vai ser aproveitado de uma forma ou de outra." Procurado, o Palácio do Planalto disse que não vai comentar o assunto. 

É o que vale

"A Resolução da Diretoria Colegiada 405/2020 (de 23 de julho) unificou as regras de controle específicas para a prescrição da cloroquina, hidroxicloroquina, nitazoxanida e ivermectina"

Anvisa, em nota