O Estado de São Paulo, n.46324, 16/08/2020. Política, p.A4

 

Em SP, cumprimento de metas ainda é desafio

Adriana Ferraz

Bianca Gomes

16/08/2020

 

 

Eleições. Instrumento é previsto em lei desde 2008 e estipula o que deve ser prioridade ao longo da gestão; realização dos compromissos, porém, é baixa e afeta vida da população

Moradia. Mariana Rosa e os filhos perderam a casa em que moravam em 2011 e até hoje estão na fila para conseguir outra

O tempo gasto diariamente pela enfermeira Danielly Alves dos Santos, de 25 anos, para chegar ao trabalho seria suficiente para uma viagem de 227 km de carro entre São Paulo e Ubatuba, no litoral norte. Moradora de São Miguel Paulista, no extremo da zona leste, ela gasta três horas por dia para ir ao serviço de transporte público, entre dois ônibus, trem e metrô. "Preciso sair de casa às 5h para chegar às 8h no trabalho."

Assim como a enfermeira, milhares de trabalhadores paulistanos têm de madrugar para conseguir chegar ao serviço. Uma realidade que poderia ter sido amenizada caso os últimos prefeitos tivessem cumprido seus planos de metas. Previsto em lei desde 2008, esse instrumento estipula o que deve ser prioridade ao longo da gestão. Juntos, Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Haddad (PT) projetaram 216 km de corredores de ônibus. As obras, porém, não ficaram prontas.

Desde que a lei entrou em vigor, nenhum prefeito cumpriu mais que 56% das metas estabelecidas no início da gestão. Bruno Covas (PSDB), por exemplo, que vai tentar a reeleição em novembro, só entregou 23% dos compromissos que assumiu ao receber o cargo em abril de 2018. Além disso, o site de acompanhamento das metas da Prefeitura está fora do ar desde fevereiro.

Os prefeitos anteriores também tiveram dificuldade com metas para moradia. Após três gestões, Mariana Rosa da Silva, de 36 anos, segue na fila por uma unidade habitacional. Em 2011, ela foi retirada do lugar em que morava com a família, próximo à Avenida Hebe Camargo, em Paraisópolis, na zona sul. "Derrubaram meu barraco e não me deram nada em troca. Fiquei quase um ano vivendo de favor na casa de um amigo com duas crianças pequenas." Em 2012, ela passou a receber o aluguel social, recurso pago pela Prefeitura em caráter de urgência, mas não foi contemplada com moradia.

O descumprimento do plano de metas também traz impactos para a Saúde. Prometido por Kassab, Haddad e Covas, o hospital da Brasilândia, na zona norte, passou a funcionar apenas durante a pandemia da covid-19. Se estivesse aberto antes, o confeiteiro Ricardo Abrantes Brito dos Santos, de 27 anos, não precisaria ter levado o pai a duas unidades de saúde distantes de casa – ele morreu vítima do SarsCov-2. "Se tivesse já o hospital, talvez não teria tanta correria, a gente teria uma referência de onde ir e teria mais informações."

Falta ao País uma cultura de planejamento, diz Gabriela Lotta, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia. "O plano de metas, assim como o Plano Plurianual e outros, acabam virando uma peça de ficção", diz. "Existe uma descrença coletiva em torno deles." Segundo Gabriela, os tribunais de contas deveriam cobrar o cumprimento desses compromissos. Para o sociólogo Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, cabe ao eleitor acompanhar o andamento dos projetos. "A grande questão é que o eleitor deposita os votos e não acompanha."

Na busca por metas factíveis com o orçamento municipal e as necessidades da população, a Rede Nossa São Paulo, idealizadora da lei que tornou o programa obrigatório na cidade, vai lançar na terça-feira "metas de referência" para os candidatos.

Referência. Segundo a coordenadora do grupo, Carolina Guimarães, o foco deve ser redução da desigualdade. "É preciso ter a visão de que a cidade e suas problemáticas não mudam a cada quatro anos e que demandas e soluções não são temas de direita ou de esquerda", diz.

O programa é dividido em três eixos, com 50 metas no total. Nessa lista está o compromisso de regionalizar o orçamento e definir investimentos de acordo com a vulnerabilidade de cada região. "Se o investimento for de R$ 1 bilhão, M'Boi Mirim, na zona sul, receberia, per capita, R$ 352. Enquanto o centro expandido, R$ 41. Isso ajudaria a promover o que chamamos de inversão da desigualdade", diz o coordenador de mobilização do grupo, Igor Pantoja.

Elaboradas em parceria com a Fundação Tide Setubal, as metas de referência propõem ações de curto, médio e longo prazos a partir de leis já aprovadas. "A pandemia veio reforçar que ações isoladas ou pontuais não são suficientes para reverter as enormes e persistentes desigualdades estruturantes. Todos os setores precisam dialogar, se unir e desenvolver soluções concretas e transformadoras para conseguirmos ter até 2030 uma São Paulo mais justa, com reais oportunidades para todos, independentemente de onde vivam", afirma a socióloga Neca Setubal, presidente do conselho da fundação.

O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) questionou o critério que considera só metas 100% cumpridas, e diz que é preciso considerar metas entregues parcialmente. "É um equívoco conceitual." O ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) alegou ter cumprido 81% das metas no segundo mandato, mas incluiu o que considera "legado". Além das metas cumpridas em 100%, o cálculo considera "projetos contratados, licitações lançadas e definições de terrenos para obras." Ontem, a Prefeitura informou que 27 em vez de 25 metas, como consta do relatório de fevereiro, estavam 100% cumpridas (38% do total), mas não disse quais.

'Soluções' 

"É preciso ter a visão de que a cidade e suas problemáticas não mudam a cada 4 anos e que soluções não são temas de direita ou de esquerda."

Carolina Guimarães

COORDENADORA DA NOSSA SÃO SAULO