O globo, n.31890, 28/11/2020. Sociedade, p. 17

 

A volta da Covid 19

Ana Lucia Azevedo 

28/11/2020

 

 

Em meio ao aumento da Covid-19, há casos de pessoas que voltaram a adoecer e tiveram resultado positivo para Sars-CoV-2 meses após se considerarem curadas e com resultado negativo. São casos de possível reinfecção e persistência, que podem estar contribuindo para a retomada da curva de crescimento da pandemia. Eles acendem a luz vermelha para aqueles que pensavam que eram imunes e trazem desafios à vacinação.

O medo de reinfecção entre os médicos é real, explicado em memorandos internos, como o do Hospital Federal da Lagoa, no dia 18. No momento, é impossível saber quantos são reinfectados. Os outros quatro coronavírus do resfriado comum, assim como os respiratórios em geral, causam reinfecção normalmente, observa a virologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Clarissa Damaso. Sars-CoV-2 parece seguir o mesmo caminho. Diante de um dos poucos estudos no Brasil que testam coronavírus com RT-PCR, o padrão ouro, e acompanham profissionais de atividades de risco, como saúde e segurança, Terezinha Castiñeiras afirma que a retomada do crescimento de casos no Brasil e na Europa acontece em um período curiosamente coincidente, apesar das diferentes condições climáticas e evolução pandêmica. Embora não seja possível neste momento fazer qualquer declaração,

- A reinfecção e também a persistência podem estar contribuindo para alimentar a retomada do crescimento registrada neste mês. Qual o seu peso, não sabemos - afirma Castiñeiras, coordenador do Centro de Triagem e Diagnóstico (CTD) da Covid-19 e chefe do Departamento de Infectologia e Parasitos da Faculdade de Medicina, ambos da UFRJ.

As toreinfecções somam-se às aglomerações e relaxamento das medidas de contenção e distanciamento e cuidados pessoais (higiene e uso de máscara). O resultado está nas taxas de positividade. Rafael Galliez, professor de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ, diz que no dia 17 de novembro a taxa de positividade na DTC subiu para 37% contra 26% em setembro e 13% em junho.

—Não sabemos o papel das reinfecções, mas são mais um elemento em uma situação explosiva, com aglomerações e cada vez mais pessoas ignorando os cuidados - diz Galliez. O fato é que os anticorpos neutralizantes desaparecem depois de um tempo. Um estudo indica que duram cerca de seis meses. Mas mesmo isso é conjectura, aponta o imunologista Orlando Ferreira, do Laboratório de Virologia Molecular (LVM) da UFRJ. Existem outros mecanismos de defesa, a resposta celular, que permanecem pouco conhecidos. Amílcar Tanuri, que coordena com Ferreira o LVM, lembra que as pessoas que já tiveram Covid-19 são vulneráveis ​​e possivelmente não têm um perfil genético favorável para se defender contra o coronavírus. Perderam a defesa adquirida porque já não era muito boa.

REINFECÇÃO OU PERSISTÊNCIA

É muito difícil, no nível técnico atual, distinguir o que é uma segunda infecção de uma infecção persistente, é toé, a de alguém que nunca se livrou do coronavírus. Embora as reportagens sejam numerosas, só esta semana foi publicada na revista científica The Lancet, o primeiro caso comprovado de reinfecção na América Latina, de um equatoriano de 46 anos. Para comprovar uma reinfecção, é necessário sequenciar e comparar os vírus do primeiro e segundo episódios de infecção. Deve haver diferenças significativas no genoma, o que caracterizaria que apeesa foi infectada novamente. Se for persistência, o vírus que causou o primeiro adoecimento apenas teria se escondido e ressurgido. Nada disso é trivial de investigar, explica Ferreira.

Nós, grupo CTD, já temos pacientes em estudo. As amostras serão sequenciadas para ver se é realmente reinfecção ou persistência. Para quem adoece, o sofrimento é o mesmo. Porém, para o controle da pandemia é importante conhecer a capacidade do Sars-Cov-2 de driblar o sistema imunológico, acrescenta Luciana Costa, diretora do Instituto de Microbiologia da UFRJ.

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'Eu estaca convencido de que teria imunidade celular', conta médica 

28/11/2020

 

 

Quando numa manhã de junho a médica Luciana Ribeiro acordou espirrando intensamente, sem cheiro e sem gosto, pensou que fosse um resfriado ou sinusite. Mas esses primeiros sintomas logo adicionaram prostração profunda e dores de cabeça. Seu estado piorou e no décimo primeiro dia de doença ela procurou o serviço de emergência. Uma tomografia computadorizada revelou comprometimento de 43% dos pulmões e um padrão de pneumonia típico de Covid-19, o chamado vidro fosco. Embora ela tenha trabalhado em dois hospitais e tratado vítimas da pandemia, ela se viu imune porque contraiu Covid-19 em março. Ilusão. Mais uma vez, foi positivo, e nesta ocasião com um quadro de maior gravidade do que no primeiro episódio.

- Em junho, ninguém deu crédito à reinfecção. Estava convencido de que teria imunidade celular, alguma proteção. Mas contratei a Covid-19 novamente, mesmo trabalhando com PPE. A princípio, não acreditei - diz Ribeiro, que se tornou coautor de um artigo no qual é descrito o caso dela, publicado no Journal of Medical Virology. Por suspeitar tardiamente da Covid-19, Ribeiro perdeu o período em que o RT-PCR detecta com mais precisão o vírus. Mas ele testou positivo para anticorpos com IgM, um marcador de infecção aguda, e IgG, uma resposta específica. Então ele viu que havia feito anticorpos neutralizantes. - Espero manter alguma imunidade. Eu me protejo e espero não ter Covid-19 pela terceira vez. (ALA)