O globo, n.31891, 29/11/2020. País, p. 24

 

Entrevista - Marco Aurélio Ruediger

Marlen Couto 

29/11/2020

 

 

Os candidatos das eleições municipais deste ano não só precisaram dividir as atenções das redes sociais com a pandemia de Covid-19, como também o debate sobre o pleito acabou ancorado em temas nacionais, diante das polêmicas do presidente Jair Bolsonaro na condução da crise. A avaliação é do sociólogo Marco Aurélio Ruediger, que monitora de perto as plataformas digitais. À frente da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP), o pesquisador afirma que a disputa foi menos “virulenta” que a de 2018, entre outros motivos, pela ação das empresas de tecnologia, mas também porque as redes de desinformação não “gastaram toda sua munição”.

Após uma eleição polarizada em 2018, o pleito municipal perdeu protagonismo para outros temas, como a pandemia. Houve desinteresse pelo debate sobre a eleição de 2020 nas redes?

Não é desinteresse pela eleição. É que a pauta política foi ficando mais adensada do que a eleição em si. A Covid-19 tem sido central. Ela apontou problemas estruturais na condução da política, na relação entre a verdades dos fatos e a ilusão ideológica, que não condiz com esses fatos. Toda a estrutura negacionista que cresceu nas redes e, ao mesmo tempo, o desgaste que o governo Bolsonaro teve dominaram e sufocaram qualquer outra pauta. Essa eleição municipal tem, por isso, um caráter federal. Vejo muita gente falando que a pauta é local. Claro, é local, mas esses temas estão muito ancorados em problemas federais. Por exemplo, qual a logística de distribuição de vacinas no Brasil? Qual o plano? Não tem. Onde ele acontece? No mundo real. E onde é o mundo real? É o município, seja nas grandes metrópoles ou no interior. É onde as pessoas vivem.

O presidente Jair Bolsonaro apoiou candidatos pelo país, mas boa parte deles não teve bom desempenho. A base bolsonarista nas redes está desmobilizada para a eleição?

A falta de partido certamente foi um problema para o presidente. Ele tem algumas ideias-chave que o movem e movem seus apoiadores, mas nunca foi um homem de partido. Nessa eleição, ficou difícil a identificação (dessas ideias) à medida que ele não era o sujeito do pleito e nenhum dos filhos era um candidato ao Executivo. O presidente não teve também grandes aliados e houve todo o desgaste: perdeu o Sergio Moro, trocou de ministros da Saúde duas vezes. Teve ainda o tropeço do (Donald) Trump, e isso impactou muito a base dele. A própria discussão sobre fake news afetou a desenvoltura dessa base virtual. A sociedade e as instituições foram muito mais ativas em coibir discurso de ódio e o negacionismo, principalmente na pandemia. As plataformas agiram com rigor no caso da desinformação sobre a Covid.

Qual foi o efeito disso?

Boa parte do apoio que o presidente teve em 2018 veio do centro. Por não haver uma esquerda tão forte e pela não entrega pela direita de suas promessas, esse centro refluiu na busca por candidatos mais distantes dos polos. O centro ficou muito forte nesse processo, ainda que o problema do centro seja que ele não tem nenhuma cara para definir quem o representa.

E qual tem sido o desempenho do centro nas redes?

O centro passou a usar um pouco mais as redes, mas ainda não é suficiente. É uma questão cultural. Até pouco tempo, estavam presos à lógica da televisão e não entenderam que as redes não são acessórios da TV. Um ponto que pouca gente sabe é que as redes operam em ecossistema. Não adianta investir no Facebook, se não fizer uma ligação do Facebook com o WhastApp e com o YouTube. A mensagem tem que circular por várias plataformas distintas. Outra a coisa é que existem novas redes, menos conhecidas. Por exemplo, o (Guilherme) Boulos usou —e outros candidatos fizeram isso ainda de uma forma tímida — os games para discutir a pauta pública. É altamente eficaz. Há novas redes surgindo, elas não são as mesmas.

Em 2018, o país elegeu políticos sem experiência e com alta capacidade de engajamento nas redes. Nesse pleito, prevalecem políticos já conhecidos. O que mudou?

Esta eleição foi menos virulenta do que em 2018 no campo virtual. Você tem, por exemplo, um número menor de robôs operando e vários influenciadores, principalmente bolsonaristas, foram coibidos ou são mais vigiados. As pessoas também adquiriram mais conhecimento sobre a influência dos meios digitais. E, finalmente, as plataformas, apesar de poderem fazer muito mais, fizeram alguma coisa, em especial o Facebook, Twitter e o WhatsApp. O cenário e a relação com a rede e as plataformas mudou. O próprio TSE ficou mais atento. Também tem muita munição que se resolveu não gastar, porque ela vai ser usada em 2022. Não valia a pena acirrar ainda mais as contramedidas à desinformação nesse pleito, porque bem ou mal você tem uma CPMI sobre fake news, e o Supremo está olhando para esse negócio. Não se quis esticar a corda. Tem ainda uma lição que as pessoas estão começando a ver: não adianta só ver a promessa, tem que ter uma certa concretude. Não adianta dizer nas redes que vai fazer milhões de coisas, quando se torna conhecido por não fazer. A população está mais reativa a estreantes que não cumprem seu papel.