Correio braziliense, n. 20994, 16/11/2020. Cidades, p. 16

 

Novos laços com a Ride

Samara Schwingel 

Renata Rusky

16/11/2020

 

 

Os prefeitos eleitos nas 33 cidades que compõem o Entorno do Distrito Federal precisam se preocupar com a relação política com a capital do país. Juntos, os municípios compõem a Rede Integrada de Desenvolvimento do DF e Entorno (Ride), que tem o objetivo de desenvolver políticas públicas em conjunto para diminuir as diferenças econômicas e sociais entre as localidades.

Na visão de especialistas, as cidades têm um histórico de cooperação e interdependência política e econômica. A expectativa é de que isso se mantenha independentemente do viés político dos eleitos nos municípios. Os novos governantes devem focar em discutir assuntos de interesse comum entre as cidades como saúde, transporte e segurança pública.

Alguns dos municípios no Entorno do DF são considerados, por analistas, como área metropolitana de Brasília. O professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e ex-diretor de estudos urbanos e ambientais da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) Aldo Paviani explica que "a formação desses lugares foi a partir da capital. Muitos moradores nem votam lá. São pessoas que moravam aqui e tinham aluguéis de fundo de quintal, queriam casa própria e se mudavam para lá, mas mantêm o vínculo com o Plano Piloto." O movimento pendular dessas pessoas pressiona os serviços públicos na capital, portanto, é fundamental estimular políticas que criem postos de trabalho nessa região.

Emprego

A última Pesquisa Metropolitana por Amostragem de Domicílios (PMAD), realizada em 2018 pela Codeplan, identificou que mais de 58% dos moradores de Águas Lindas e mais de 56% dos residentes no Novo Gama trabalham em Brasília. Em Valparaíso de Goiás e na Cidade Ocidental, 55% e 52,3%, respectivamente, têm empregos aqui.

Morador do Santo Antônio do Descoberto, Werley Batista, 37, pedagogo, faz parte dos mais de 50% de cidadãos moradores do Entorno que trabalham na capital. Para ele, uma das necessidades da cidade em que mora são indústrias que gerem emprego para os cidadãos. "Tem muito espaço (para construir) e diminuiria o trânsito terrível que fica para lá", reclama.

De acordo com Aldo Paviani, os melhores postos de trabalho estão em Brasília. "Exceto Valparaíso, que desenvolveu um comércio maior ao longo da BR-040, essas cidades têm pequenos comércios, então, não têm muito emprego, pagam pouco", completa.

Enquanto a renda per capita média, segundo o PMAD, em Brasília, é de R$ 2.461, no Entorno, ela varia de R$ 584 a R$ 791, ou seja, entre 76,3% e 68% menor. Isso cria enorme disparidade social.

Transporte e saúde

O professor emérito de ciências políticas da UnB David Fleischer concorda que a tendência é de uma interdependência entre o DF e as cidades adjacentes. "Muitos serviços da capital dependem de trabalhadores que moram no Entorno. Com esse deslocamento diário, se movimenta, além do setor de transporte, a economia local", diz. O especialista considera que é importante ter uma troca de informações entre os governos para garantir um bom atendimento desta população que transita entre as cidades.

Além do transporte, a saúde pública é uma pauta que aquece o diálogo entre os governantes. "Muitas pessoas que residem no Entorno não conseguem ter a assistência necessária nas cidades de origem e, por isso, também se deslocam ao DF para realizar tratamentos ou consultas médicas", afirma Fleischer. Desta forma, os municípios e a capital federal geram uma interdependência, além de política, econômica. "Com a pandemia da covid-19, este setor ganhou força e deve ser o principal meio de sucesso ou fracasso dos candidatos eleitos", completa.

Fábio Júnior dos Santos, 37, que mora em Águas Lindas de Goiás, mas trabalha no Restaurante Universitário da UnB, na Asa Norte, sofre de epilepsia. Na última crise convulsiva, caiu e quebrou a perna e dois dedos do pé. Foi levado ao Hospital Regional de Taguatinga, ao que ele agradece, pois acredita que teve um bom atendimento. "Aqui tem que melhorar tudo", afirma, referindo-se à cidade onde vive. Agora, além de enfrentar o trânsito pesado todo os dias, ele convive com mais uma dificuldade: andar de muletas nas calçadas ruins da cidade.

Do Entorno para o DF

Cidade - Trabalham no DF (%) - Renda Per Capta (R$)

Águas Lindas de Goiás - 58,1 - 584
Novo Gama - 56,6 - 607
Valparaíso de Goiás - 55 - 791
Cidade Ocidental - 52,3 - 674
Santo Antônio do Descoberto - 50,7 - 592
Planaltina - 49,7 - 633
Luziânia - 28,1 - 626
Cocalzinho de Goiás - 24,6 - 574
Padre Bernardo - 17,2 - 590
Formosa - 9,8 - 768
Alexânia - 6,6 - 711
Cristalina - 2,2 - 749

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Eleitorado tem peso no pleito de 2022

16/11/2020

 

 

O professor da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer também considera que as figuras políticas do DF que almejam a reeleição, em 2022, devem estreitar os laços com os novos eleitos do Entorno a fim de captar votos. "Muitos eleitores transferem o título de acordo com as eleições. Ou seja, durante as eleições municipais, votam no Entorno e, durante as disputas gerais, voltam a votar no DF", explica. Desta forma, os políticos têm interesse em conquistar quem participa das eleições municipais. "A melhor forma de seduzir a maioria é se aproximando do concorrente eleito — que, obviamente, ganhou a maioria dos votos", diz.

O também professor de ciências políticas da UnB Fábio Vidal concorda com a visão de que os eleitores transitam entre as zonas eleitorais. "A partir da existência desta prática, deputados distritais e até o governo do Distrito Federal podem buscar realizar políticas públicas que beneficiem, também, este público de Goiás", avalia. Segundo o especialista, é uma relação comum em todo o país e deve continuar a fazer parte da realidade da capital. "Isso deve continuar nos próximos anos, pois é um tipo de política muito comum", afirma.

Com a aproximação das eleições gerais em 2022, o foco dos políticos deve se alterar. Fábio Vidal acredita que o GDF deve ficar mais próximo aos eleitos que fazem parte de partidos de direita. "Apesar do partido de Ibaneis Rocha (MDB) ser classificado como de centro, o chefe do Executivo do DF tem uma proximidade maior com a direita, logo, deve ter mais afinidade política com estes candidatos", considera. "Não há tanta diferença entre centro e direita, por isso, creio que haverá uma grande interação entre os eleitos de direita e Ibaneis. Acredito até em mais parcerias do Entorno com o governo local", completa.