Correio braziliense, n. 20995, 17/11/2020. Política, p. 2

 

Caminhos do novo voto conduzem ao centro

Sarah Teófilo 

Vera Batista

Luiz Calcagno 

17/11/2020

 

 

Depois de uma eleição polarizada, em 2018, quando os extremos da esquerda e da direita se enfrentaram com discursos raivosos e de negação mútua, dois anos depois o radicalismo parece perder força, reacendendo no eleitor a percepção de que no centro está o ponto de equilíbrio. Isso explicaria o resultado obtido por vários partidos que se inserem nesse espectro, que inclui desde legendas orgânicas –– ou seja, com princípios programáticos sólidos, como DEM e PSDB –– e inorgânicas –– também conhecidas como fisiológicas, aquelas que compõem o chamado Centrão. E, na visão de estudiosos ouvidos pelo Correio, o resultado que emergiu das urnas no domingo passado, e que tem tudo para se confirmar no próximo dia 29, posiciona algumas peças para o tabuleiro eleitoral de 2022.

Mas, mesmo entre os partidos de centro, tendendo para direita ou para a esquerda, houve um rearranjo de forças. É o que se pode observar no ranking que emergiu das urnas, segundo o ranking fornecido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Ainda que tenha sofrido uma redução nas suas zonas de influência, com um encolhimento de 25% (de 1.044 em 2016 vai comandar 774 municípios), o MDB continua sendo a legenda com a maior quantidade de prefeituras. O PP, que lidera o Centrão no Congresso, vem na sequência, com 682 –– salto de 37% ––, seguido do PSD, que fez 650 prefeitos. Já o PSDB, na 4ª posição, viu seu universo eleitoral se reduzir em 34%, conquistando 512 Executivos locais.

No sentido oposto ao do MDB e do PSDB, o DEM obteve um aumento de 71%, levando 459 prefeituras, três delas no primeiro turno (Curitiba, Florianópolis e Salvador) e está no segundo turno no Rio de Janeiro.

O primeiro partido de esquerda que surge no ranking do TSE, mas em 7º lugar, é o PDT, que obteve o comando de 311 cidades, seguido do PSB, que administrará 250. Assim mesmo, estão espremidos entre duas legendas de direita, como PTB e Republicanos, que, respectivamente, administrarão 212 e 208 municípios. O PT, que foi hegemônico na esquerda até a corrida presidencial de 2018, sofreu uma expressiva baixa: estará à frente de 179 prefeituras, um encolhimento de quase 30% em relação ao pleito municipal de 2016.

Rearrumação
Mas esse rearranjo era previsto por analistas. No caso do MDB, o partido não conquistou nenhuma prefeitura de capital no primeiro turno, embora esteja no segundo turno em sete e seja favorito em cinco (Maceió, Goiânia, Teresina, Porto Alegre e Boa Vista).

A Arko Advice Consultoria Política, que também fez uma análise do pleito, pontua que entre os dez partidos que mais elegeram prefeitos em todo o país, apenas dois são de esquerda: PDT e PSB. Ainda assim, é possível observar que ambos tiveram uma redução neste primeiro turno, em comparação com o primeiro turno de 2016. O PSB, por exemplo, caiu de 403 para 251 eleitos. O PSol, que disputa a prefeitura de São Paulo com Guilherme Boulos, já conseguiu um aumento, ainda que numericamente continue pequeno: saiu de duas conquistas no primeiro turno de 2016 para nove neste ano.

De acordo com a Arko Advice, "o primeiro turno foi péssimo para o PT, ruim para o presidente Jair Bolsonaro e para as esquerdas de modo geral, mas excelente para os centristas. É o que os resultados gerais revelam", ressalta.

"Mas é notório que, composto por uma miríade de partidos, o centro político ganha tração para a sucessão a partir dos bons resultados obtidos na eleição. O fortalecimento do centro também contribui para reforçar a dependência de Bolsonaro aos partidos que integram o chamado Centrão", reforça o estudo da Arko.

Cenário incerto
A rearrumação ficou tão diversa que especialistas divergem do cenário que enxergam. Para Antônio Augusto Queiroz, consultor e analista político, sócio-diretor das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, do mesmo modo que nos Estados Unidos, onde o eleitorado fez a opção por uma candidatura mais preocupada com os direitos humanos, no Brasil ficou claro que a tendência pode ser semelhante em 2022. "Uma candidatura de extrema direita, como a do próprio Bolsonaro, é difícil de se viabilizar, porque não vai achar um contraponto extremado pela esquerda", analisa.

Jorge Mizael, cientista político e diretor da Consultoria Metapolítica, diz que é cedo para dizer se a polarização perdeu a força. "Historicamente, o Centrão não consegue fechar um nome para encabeçar uma chapa presidencial. Será que chegou o momento?", avalia.

Paulo Baia, sociólogo e cientista político, salienta que as eleições municipais são movidas pela pauta de cada cidade. Para ele, o que vai definir 2022 são as disputas para o Congresso. "A feição de 2022 será dada pelo tipo de arranjo político que acontecer na Câmara dos Deputados e no Senado, com o atual quadro, número e perfil dos eleitos em 2018", assinala.

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Entrevista - Juliano Medeiros 

17/11/2020

 

 

Partido se credencia para liderar renovação da esquerda

Para o historiador e cientista político Juliano Medeiros, presidente nacional do PSol, o desempenho do partido nas eleições municipais — disputará o segundo turno das prefeituras de São Paulo e Belém, no próximo dia 29 —, além de ter o vereador mais votado do Rio de Janeiro (Tarcísio Motta), não é surpreendente. Isso porque, conforme lembra, a legenda vem colhendo resultados cada vez mais consistentes nas últimas eleições. Apesar de exultar com o resultado obtido no último domingo, Juliano lamenta não ter chegado ao segundo turno em capitais como Belo Horizonte e Florianópolis, onde fizeram grandes campanhas. Sem querer projetar planos para 2022, para o dirigente é preciso, primeiro, confirmar os resultados obtidos por Guilherme Boulos e Edmílson Rodrigues para, depois, afinar a unidade da opinião para barrar os projetos do presidente Jair Bolsonaro à reeleição.

Qual é a avaliação do PSol sobre o desempenho do partido nas eleições?

O PSol tem tido resultados cada vez melhores nas últimas eleições. Em 2018, fomos o partido de esquerda que mais cresceu, dobrando nossa bancada na Câmara dos Deputados e nas assembleias legislativas. Em 2020, crescemos cerca de 35% no número de vereadores, com a eleição de dezenas de mulheres, negros e negras, jovens e LGBTs. Com isso, o PSol se consolida como o partido da renovação da esquerda no Brasil. A chegada ao segundo turno, em Belém e em São Paulo, a maior metrópole da América do Sul, mostra que nos consolidamos.

Os números corresponderam às expectativas do partido?

Estamos muito satisfeitos com o resultado. Mas, dirigentes partidários como eu, sempre acham que podemos ir melhor. Nos ressentimos de não ter chegado ao segundo turno em cidades importantes, como Belo Horizonte, Florianópolis, entre outras, onde fizemos campanhas grandes, que geraram muitas expectativas. Mas o PSol, sem dúvida, cresceu muito e saiu credenciado para liderar um processo de renovação da esquerda no Brasil.

São Paulo é a prioridade do segundo turno? Qual será a estratégia?

Temos dois desafios no segundo turno: Belém e São Paulo. Em Belém, terminamos o primeiro turno na frente e nossa expectativa é confirmar a vitória contra o candidato apoiado por (Jair) Bolsonaro. Em São Paulo, a campanha de Boulos e (Luiza) Erundina gerou uma enorme onda de esperança. Será uma campanha duríssima, com um adversário poderoso, mas estamos confiantes. Nossa estratégia passa por mostrar a diferença de projetos: de um lado, Boulos e Erundina, duas lideranças políticas comprometidas com os direitos sociais, com a democracia, com a mudança; de outro, o tucanato paulista, um projeto elitista, conservador, aliado de Bolsonaro na retirada de direitos. Demarcar projetos, essa é nossa prioridade.

Como fica a relação do PSol com as outras legendas de esquerda depois do resultado do último domingo?

Temos mantido uma boa relação com os demais partidos de oposição e esperamos que continue assim. Sabemos que o PSol não pode enfrentar sozinho os retrocessos que ameaçam o Brasil. Mesmo com diferenças entre nós, a unidade nesse momento é uma necessidade.

Como o PSol pretende se posicionar em relação a 2022?

Primeiro, precisamos confirmar as vitórias de 2020. Em seguida, aprofundar a unidade de oposição para barrar os ataques de Bolsonaro à democracia e aos direitos sociais. Por fim, pensar um projeto para o Brasil que enfrente a profunda crise que vivemos.

O PT e o bolsonarismo perderam o protagonismo?

O PT é o maior partido da oposição, seja em número de filiados, seja em número de parlamentares. Mas é natural que essa hegemonia seja questionada por outras forças de esquerda. Faz parte da disputa de projetos que existe. Quanto ao bolsonarismo, penso que ele é o grande derrotado das eleições deste ano.

Quais os planos para o PSol para Brasília? Candidatura própria na eleição majoritária de 2022?

Essa é uma discussão que os companheiros e as companheiras do PSol farão em Brasília. Apoiaremos qualquer decisão que tomarem.